tag:blogger.com,1999:blog-54515549274332784332024-03-12T17:10:46.178-07:00uma mulher de vestidouma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.comBlogger57125tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-86299889076572111912013-03-13T17:19:00.002-07:002013-03-13T17:24:25.609-07:00Hoje é Carnaval<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-dpTJotvEuwk/UUEWuiD2E9I/AAAAAAAAAXw/qcY51zuoqD0/s1600/carnaval-2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="176" src="http://1.bp.blogspot.com/-dpTJotvEuwk/UUEWuiD2E9I/AAAAAAAAAXw/qcY51zuoqD0/s320/carnaval-2.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Dizem
que a idade dos cães se calcula assim: cada ano que eles vivem, equivalem a
oito anos da vida de um humano. Cláudia começou a achar que sua vida sexual era
uma vida de cão. Um ano sem sexo era para ela quase uma década de
sofrimento! Ela já estava chegando a um
ano e meio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">A
verdade é que o seu último casamento (o terceiro!) foi realmente um terremoto:
ainda estava revirando os escombros em busca dos restos mortais de sua autoestima.
Sabia que precisaria de muito tempo e paciência para se sentir novamente
disposta a um novo envolvimento. Sentia-se como uma loja de departamentos
depois da liquidação de natal. Abaixou as portas e pendurou a faixa: “fechada
para balanço”. Fechada para envolvimentos, acabou também se fechando para sexo.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Não
que faltassem opções. Tinha aquele amigo que morava no interior, que sempre
dizia que era só chamar. E o outro, que cismou que ela estava a fim dele. Sem
falar no coroa bonitão que sentia por ela uma forte “atração espiritual”
(sei...). E mais alguns, que nunca disseram nada, mas que era só uma questão de
dar espaço. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Mas
o que fazer se ela não sentia atração por nenhum deles? Não bastasse seu olhar
exigente de fotógrafa, tinha uma personalidade que os amigos classificavam como
excêntrica, cheia de gostos e desgostos. Melhor não fazer do que fazer sem
vontade. Mas quando se queixou pela milionésima vez com sua melhor amiga, ouviu
uma bronca. A amiga era alguns anos mais velha e sempre foi uma referência de
bom senso quando o assunto era sexo. E o pior - sempre há um pior - era
psicóloga. E disse: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">-
Você está louca? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">-
...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">-
Isso vai te deixar doente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">-
...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">-
Isso <i>é</i> doença!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Voltou
pra casa abalada, disposta a resolver. Porque não há nada de mal em uma pessoa
optar pelo celibato. Mas há tudo de mal quando essa pessoa se sente péssima, a
ponto de chorar! Decidiu que seria no sábado, quando se encontraria à tarde com
alguns amigos num bloco de carnaval. Acordou decidida, repetindo o mantra “àgua
morro abaixo, fogo morro acima e mulher quando quer dar, ninguém segura”. Preparou-se
para a saída como se tivesse um encontro marcado com alguém, com direito a
depilação, creme hidratante no corpo todo e outros detalhezinhos que toda
mulher conhece. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">E
a multidão ao redor do trio elétrico era farta em moços bonitos. Chegou a
pensar que era alguma alteração sensorial provocada por seu período fértil, mas
suas amigas confirmaram. Choveu, fez sol, choveu de novo, anoiteceu. O trio
elétrico saiu, os amigos começavam a pensar em ir a outro lugar e ela ainda
sozinha, repetindo para si mesma “água morro abaixo...”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Fazia
quarenta e cinco dias que chovia sem parar <st1:personname productid="em S ̄o Paulo" w:st="on">em São Paulo</st1:personname>, mais água do
que enfrentou Noé. Mas os paulistanos cantavam alegres “tomara que chova / dez
dias sem parar”. Foi logo depois que ouviu uma voz de homem falar alguma coisa
a respeito de Guimarães Rosa. E alguém que cita Guimarães Rosa no meio de um
bloco de carnaval, merece uma olhada. Sem parar de andar, virou lentamente a
cabeça para ver quem estava atrás dela. Três rapazes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">A
voz roseana era do que estava na ponta esquerda. E era gato! “Ei, você aí / me
dá um dinheiro aí...”. Poucos minutos depois, olhou de novo para confirmar. Era
gato mesmo. “Eu mato / eu mato / quem pegou minha cueca / pra fazer pano de
prato”. Quando olhou pela terceira vez (gato, gato, gato!), já achou que estava
abusando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">O
trio elétrico já estava chegando de volta ao ponto de partida e os foliões já
se dispersavam. Então ouviu uma voz lhe dizendo alguma coisa qualquer sobre a
música. Aquela voz que para ela já era quase a voz de um anjo. Era ele. E era
simpático. E era gente boa. E era bem humorado. E era, graças a Deus, objetivo.
Depois de uma conversa ligeira - em que ficou declarado para os devidos fins
que estavam ambos solteiros- se aproximou e a beijou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Chamava-se
Mateus e era de um cidadinha no interior paulista, o que lhe deixou um delicioso
sotaque e a paixão por um time de futebol com nome bizarro. Estava <st1:personname productid="em S ̄o Paulo" w:st="on">em São Paulo</st1:personname> desde que
terminou a faculdade há dois anos e tinha recém completado 27 anos. Ou seja:
nove a menos que ela. Ainda era cedo para encerrar uma noitada paulistana, mas
já estavam ali há tempo suficiente de pegar chuva, sol, chuva, sol, chuva, lua.
E ele sugeriu que fossem para casa dele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">E
agora, Josefa? É claro que ela queria ir. Acordou nesse dia só para terminá-lo
na cama de alguém. E achou alguém bonito, simpático, inteligente, que até
citava Guimarães Rosa! E já fazia muito tempo que aprendeu a por de lado essa
bobagem de que mulher não pode dar na primeira vez. Para ser exata, desde o dia
em que contou para a amiga-mais-velha-sensata-psicóloga que tinha beijado
alguém da faculdade e a amiga disse que ela já não era mais uma menininha para
ficar de beijinho com um homem. Dizer não por quê? Mas ela não conhecia o
rapaz, nem tinha certeza se seu nome era verdadeiro. E se fosse um
psicopata-serial-quíler-canibal-torturador-de-mulheres-mais-velhas? Bobagem.
Sua intuição era uma bússola poderosa, teria indicado se houvesse tanto perigo.
Mas o fato é que essa hesitação durou alguns segundos. Tempo suficiente para
que ele sacasse que estava rolando um conflito típico feminino e resolvesse a
situação brilhantemente. Conversou mais um pouco, foi comprar uma garrafa de
água e disse, com muita calma, que não era porque iam para a casa dele que
precisavam transar. Se ela não quisesse, não transariam. E para arrematar usou
uma frase que abriu mais portas do que o velhíssimo “abra-te sésamo”: “acho que
nós temos idade para resolver isso”. Se um menino de 27 aninhos se achava
adulto para decidir por si mesmo com quem, quando e como faz sexo, que dirá
ela. No fundo, foi só o velho truque de dar liberdade para poder prender. Mas
os argumentos eram muito válidos e em meia hora estavam em um apartamento na
Vila Mariana. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Se
fôssemos olhar pelo lado mau, o quarto dele era uma espécie de abatedouro.
Luminária japonesa no teto, velas decorativas sobre a cômoda, uma deliciosa
seleção de música brasileira tocando durante horas, uma enorme cama de casal e,
pasmem!, até um gel lubrificante ao alcance da mão. Olhando pelo lado bom, era
um quarto romântico e sensual. Luminária japonesa no teto, velas decorativas
sobre a cômoda, uma deliciosa seleção de música brasileira tocando durante
horas e uma enorme cama de casal (deixemos o gel lubrificante pra lá). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Em
pé próximo à cama, ele tirou a camisa. Debaixo dela estava escondido um peito
lindo, largo, forte, com pelos claros e macios. E deixou a calça escorregar
devagar. Embaixo dela, uma bunda linda. Na verdade, Cláudia nunca ligou muito
para essa parte da anatomia masculina, achava a parte superior do corpo mais
atrativa. Mas esse menino realmente tinha uma bunda espetacular. Lembrou na
hora de uma amiga sua, obcecada por bundas (ficou só imaginando ligar pra ela
no dia seguinte e contar: “Cris! Fiquei com um cara ontem e pensei tanto em
você!”). Então ele a empurrou levemente para cama. Só quando ela já estava deitada ele terminou
de tirar seu vestido lentamente. E não disse nem a nem bê, mas sua respiração
se aprofundou um pouco, como um leve suspiro, quando viu seu corpo nu. Como
explicar essa sensação? Que palavras escolher para tornar compreensível o prazer
que ela sentiu com esse suspiro de admiração que ele soltou ao ver sua cintura
fina e seus quadris bem desenhados sobre sua larga cama? Qual frase dá a noção
exata do tesão que ela teve com o tesão que ele demonstrou? Há tanto tempo
sozinha, tanto tempo se sentindo desperdiçada, mal amada e, de repente, um
menino lindo, dez anos mais jovem, suspira com a visão de seu corpo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Era
a hora de conferir o que é que essa molecada criada na frente do computador
andou aprendendo no “dáblio-dáblio-dáblio-porn-tube-ponto-com”. O beijo,
quesito que em sexo equivale à comissão de frente de uma escola de samba, já
tinha merecido 10. E o modo como vinha conduzindo a situação era impecável
(evolução: 10). Se esse rapaz pudesse ser descrito sexualmente em uma só
palavra, seria “técnico”. Ele sabia exatamente onde, como e quando tocar. Mas o
que o tornou inesquecível foi seu jeito de fazer sexo oral, um jeito que só
pode ter aprendido num filme pornô de lésbicas. Porque um homem não pensaria <i>naquilo</i> sozinho. Em 20 anos de vida
sexual ativa, era a primeira vez que alguém fazia <i>aquilo</i>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Não
há necessidade de muitos detalhes, para começar basta dizer que ele usou a boca
e mão direita ao mesmo tempo. Até aí, nada além do básico, apesar de alguns
homens não perceberem que isso é básico. Mas quando ela já estava bastante
estimulada (leia-se “en-lou-que-ci-da”), ele começou, com a outra mão, a dar
leves tapinhas na base do clitóris, sempre coordenando as duas mãos e a língua
no mesmo ritmo e com a pressão exata. Era tudo ao mesmo tempo agora num só
lugar (harmonia: 10!). Depois disso, o
que vier vem bem: bateria, alegoria, samba enredo, primeiro casal de
mestre-sala e porta-bandeira: nessa noite choveram mais notas 10 do que água.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">Quando
o dia clareou e ela pode ver suas costas muito claras, cheias de pintas marrons
como um sorvete de flocos, eles ainda estavam abraçados rindo juntos. Um riso que perdurou por vários dias no rosto
de Cláudia, como se fosse um carnaval baiano, daqueles que começam no reveiôm e
acabam no São João. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">A
verdade é que se ela soubesse que seu desjejum seria tão bom, teria esperado
com serenidade budista, sem nenhuma queixa, sem nenhuma lágrima. Porque a
espera valeu à pena. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif";">N.A.
antes que alguém diga que, por conta da idade, ela deveria ir para a ala das
baianas, Claudinha avisa: fez bonito como Rainha da Bateria! <o:p></o:p></span></div>
uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-84109878196553593882012-08-13T10:21:00.000-07:002012-08-13T10:23:57.670-07:00Rádio-Relógio<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Arial;">03h:00 Depois do sexo, ele pula da
cama: põe roupa, muda música, acende cigarro, abre cerveja.Ela abandona-se na
cama para sempre. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Arial;">03h:30 Ela quer dormir. Ele quer assistir a um filme: “põe
o DVD. Só você sabe”. Meio nua, atende. Depois se encolhe sobre o travesseiro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Arial;">05h:00 Ele quer assistir a outro filme.“divide comigo”
“não” “por favor” “não” “ah, vem!” “não! quero dormir!” “posso deitar com
você...?” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Arial;">07h:00 Ele, enfim, desiste dos filmes,das músicas, do
amor. Dorme. Então ela vira para um lado. E para o outro. Insônia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Arial;">10h:00 Ela precisa ir. Ele acorda sem acordar, recebe um
beijo, vira para o lado, ronca. Ela se vê linda no espelho. Deixa um bilhete. Vai. <span style="color: #333399;"><o:p></o:p></span></span></div>
uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-88632063797693163362011-11-22T14:10:00.001-08:002011-11-22T14:10:57.026-08:00Amor Perfeito<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span class="Apple-style-span">Narciso,</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">eu te glicínio muito, sabia?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">Quando vejos seus lírios e gerânios, quando abre suas ninféias... Quando você vem, com essa sua dipladênia... Quando a gente se amarilis. Eu me margarido toda! Às vezes você é tão girassol, que chega a parecer tulipa. Outras vezes você é dália, outras helicônea. E outras, ainda – ah,outras!- você é só antúrio. Deixa um jacinto na boca-de-leão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">Tentei resistir, mas quando vi, já era malva. Orquideei-me numa dama-da-noite. É, foi rosa. Mas se miosótis petúnia, rodáquea gloxícina, né? O importante é que você me violeta de prímula, mesmo quando está cravo. Eu: sempre-viva!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">Mas chega dessa ipoméia e voltemos ao lótus: eu só queria dizer que te glicínio muito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">Beijo,<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; "><span lang="PT">Maria-sem-vergonha</span></p>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-33047380073827517512011-09-29T09:24:00.001-07:002011-09-29T09:28:50.070-07:00Dicionário<div align="justify">“O amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de romances-enciclopédias, é um traço infantil no caráter de um homem adulto”. É o que diz Chico Buarque no prefácio da reedição do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo ( <a href="http://www.lexikon.com.br/dicionario_analogico/dicionarioanalogico.html">http://www.lexikon.com.br/dicionario_analogico/dicionarioanalogico.html</a> ).Um dicionário para ser usado especialmente naqueles momentos em que, como me explicou um amigo, “você sabe o que quer dizer, mas não encontra a palavra perfeita ou satisfatória”.<br />Lendo isso, lembrei que era louca por dicionários quando era criança. Em casa tínhamos um bem grande, de capa toda preta, herança do avô José, o corretíssimo pai de meu pai. O que dá uma ideia de sua velhice, já que meu avô nasceu em algum ano do século XIX. A ordem familiar era de que ele não deveria passear em minhas mãos. Era um livro importante, sério. Mas como se pode negar a uma criança o direito de aprender? Então eu podia pegá-lo, sempre com rigoroso cuidado.<br />Claro que em pouco tempo ninguém mais me vigiava e, quando sozinha, escorregava o catatau para fora de seu lugar entre os outros livros e gastava muito tempo me deliciando com esse prazer infantil.<br />Foi lá que aprendi que masturbação é uma forma de ter prazer físico sozinho. E desconfiei, imediatamente, do que se tratava (não dizia nada sobre o uso das mãos, por isso sempre acho estranho quando alguém diz que masturbou o outro. Como assim? Não era pra ser sozinho, cazzo?). Depois de tanta escorregadas, começou a se desfazer. A encadernação foi ficando bamba, os cantos da capa dura amassados por batidas, as páginas cada vez mais amareladas.<br />Mas dureza mesma foi o dia em que meu irmão mais velho me declarou, eu já adolescente, para meu espanto e decepção, que aquele não era um bom dicionário. Esbarrei no susto. O que é isso? Um dicionário que não é bom? Então ele me explicou, do seu jeito sempre... Sempre o que mesmo? Pois é, estou num daqueles momentos em que “você sabe o que quer dizer, mas não encontra a palavra perfeita ou satisfatória”. Explicou do seu jeito de sempre de irmão mais velho, que seja, que ele estava desatualizado, que os dicionários mais novos tinham mais verbetes, com explicações mais complexas.<br />Daí em diante, parte do encanto do dicionário velho da capa preta se perdeu. Mas apenas porque soube que ele já não era tão confiável como eu supunha – e eu o supunha a coisa mais confiável que existia no mundo, oras!- mas continuou sendo o livro mais cobiçado da estante da minha mãe. Que, cá entre nós, não tinha mesmo nada que preste.<br />E agora, três décadas depois, me pego aqui um tanto besta pensando por que, afinal, esse dicionário ainda está lá. A estante já é outra, os livros são outros, a necessidade é outra. No meio de um monte de tranqueiras, quinquilharias, coiseiras e, em minha opinião, lixo a ser reciclado, o pobre se esconde.<br />Enfim, decidi enquanto escrevia este textinho: vou furtá-lo. Num dia qualquer, em que minha mãe se encontre distraída, vou transferi-lo para o meu armário de livros, onde poderá ficar na companhia agradável de Victor Hugo, Jorge Amado e João, o Rosa. Num dia qualquer, quando estiver cansada de viver do lado de fora, vou pegá-lo novamente e caminhar na sua luz amarela, respirar seu cheiro de livro muito velho. Prazeres de criança.</div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-3880125829930890882011-08-08T17:50:00.000-07:002011-08-08T17:51:45.667-07:00BagagemUma roupa de frio. Uma calcinha rendada. Rímel, lápis, batom, esmalte. Escova de dentes, pente, remédios. Camisinhas.
<br />Levo um fígado limpo, desabituado de álcool. Um tanto de insônia, se faz necessário. Para o pulmão, uma dose extra de tolerância ao tabaco.
<br />Não posso deixar de levar uma muda de voz, ainda que desafinada, para em dueto cantar ‘Vida Noturna’, ou outras pérolas de Aldir.
<br />E um par de ouvidos bem atentos, para a hora da leitura. Mãos, levo várias: há corpo demais para passear as pontas dos dedos. Sorrisos às pencas, que usarei todos. E olhos de olhar nos verdes incompletos de outros olhos.
<br />Poesia eu nunca sei: levo da minha ou uso a que tanto sobra por lá? (Mas é tão leve, oras, não custa levar).
<br />Já ciúme eu não levo, que é peso demais, eu não vou aguentar. Também deixo de fora algumas más histórias, mal humores, má vontade (esta eu nem tenho para levar). Ignorância, porém, não posso deixar: sou muito apegada a ela.
<br /> Aperto tudo isto no fundo da mala para sobrar mais espaço: há muita vontade de conhecer, que eu preciso levar. E um enorme desejo de estar junto que, de tão grande, preciso dobrar.
<br />Embalo também um tantinho de espanto, um bocadinho de medo, um tiquinho de dúvida. Mas deixo bem embrulhados para que não se derramem e manchem as outras coisas.
<br />No espaço que sobra – e bem sobra porque a mala é grande- coloco desejo. Mas, ora, veja só: não é que no começo da semana, era de menor tamanho? Como cresce tanto, em tão poucos dias? Faço um esforço para que caiba todo. Senão, alguma coisa vou ter que tirar! Desejo só vai inteiro, não se pode cortar. Aperto, empurro, desarrumo, arranjo, desfaço, refaço. Ufa! Coube.
<br />Na hora de sair, ainda me lembro do pouco de encanto, que eu queria ofertar. Não cabe na mala. E solto, posso perder...
<br />Me olho no espelho e vejo: tenho sapatos adequados, de saltos bem altos para alcançar o beijo. E roupas práticas, fáceis de tirar. Também um colar, para me proteger. E um anel, que tenciono esquecer.
<br />Então, por cima de tudo, visto o encanto.
<br />E vou.
<br />uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-68112551620495838122011-06-09T13:01:00.000-07:002011-06-09T13:18:01.852-07:00O que tem para comer?No blog do Pedro Martinelli ( <a href="http://www.pedromartinelli.com.br/blog">http://www.pedromartinelli.com.br/blog </a>), li um texto em que ele falava de uma jovem repórter que, em uma viagem, queria comer alguma coisa mais leve, com uma saladinha, um iogurte talvez . Ele foi falando e soltando uma ironia levezinha por trás da estória. Cheguei a ver, por trás de sua barba, o sorrisinho subindo para o lado esquerdo do rosto. E eu não pude deixar de rir da ingenuidade da moça que, como ele disse, era “novata no trecho”. Jornalista viajando lá pode escolher comida? Pode não.<br /><br />Fiquei pensando se esta moça estivesse em algumas situações que vivi. Não que eu sempre coma mal quando viajo a trabalho ( tem um hotelzinho em Belém do Pará, de nome começado com Z - Zogbi?Zíngara? - que serve um peixe incrível e que tem de sobremesa um divino creme de cupuaçu, para se comer ajoelhado. Jesus, Maria, José!). Mas, enfim, eu estava falando dos perrengues.<br /><br />Os piores passei em Minas Gerais. Justo lá, onde está a minha comida preferida! Lembro especialmente de uma viagem pelo Vale do Jequitinhonha, na companhia de uma repórter e de um fotógrafo, fazendo uma matéria sobre cerâmica. Indo de uma cidade a outra acabamos chegando à hora do almoço numa beira de estrada. A cidade mais próxima, onde havia de ter algo de bom, nos afastaria demais do rumo. O jeito foi parar num barzinho. No balcão, agasalhado por uma estufa de vidro, um cozido de mandioca. Eu não vi, mas quem viu me disse: estava “verde”. Mas não é que eu carregava nas minhas tralhas um teco de queijo, comprado em algum sítio do caminho, que eu vinha comendo aos pouquinhos? Almoço para três num dia cheio de trabalho: meio queijo minas e guaraná Antártica. No dia seguinte, já chegando nos finalmentes do Jequitinhonha, caminho para Santana do Araçuaí, foi pior.<br /><br />Na única portinha aberta, num sem fim de estrada, esbarramos. Era um lugarzinho dos menores, pouco iluminado e com cara de mal limpo. No balcão, algumas coxinhas. Do lado de lá do balcão, um senhor olhou meio torto e soltou, numa voz desanimadora: “São de ontem. Não devem estar boas...”<br />Uai, se o dono diz, como discordar? Tem alguma outra coisa pra comer? Tinha: paçoquinha. Almoço para três nm dia cheio de trabalho: paçoquinha e coca-cola.<br /><br />Também em Minas, no Parque Nacional “Grande Sertão: Veredas”, difícil foi escapar da paçoca de carne seca da dona Nica. Passávamos pela casinha de adobe e dona Nica gentil nos convidava. Eu me esquivava daqui, me esquivava dali. Até que, numa noite, já ficando chata a recusa de tão insistente, não houve como escapar. E ela trouxe uma tigelinha recheada e uma garrafa de café.<br />Não que haja algo de errado com paçoca de carne seca: é um prato tradicional e saboroso. Mas, não bastasse eu não ser lá muito chegada em carne seca, já estava há dias vendo as mantas de carne penduradas nas portas das casas, de frente para as ruas. Passa boi, passa boiada, cavalo, gente e cachorro... a carne ali, como roupa no quarador, secando ao sol roseano, banhando-se de poeira vermelha do sertão. Não dava para encarar. Protegida do escuro da casinha, iluminada por uma fraca lamparina, eu apenas fingia que comia. Batia a colher na tigela para fazer barulho, levava-a próxima à boca e devolvia ao seu lugar. Mas o fotógrafo que estava comigo, João Correia Filho, era do tipo avestruz. Além de bom de garfo, gostava do prato. Como a tigelinha era para nós dois, eu contava que ele comeria a parte dele e a minha também. E continuei com meu teatrinho.<br />Nem o café eu tomei todo, que era ruim demais da conta. Só mais tarde, já afastados dos ouvidos de dona Nica, que apesar de mal cozinheira era um amor de pessoa, confessei o meu embuste. E por pouco não apanhei: o “bom de garfo”, por mais bom de garfo que fosse, também se lembrou das carnes penduradas. E foi com esforço que comeu, tentando entender porque é que não acabava nunca a bendita paçoca!<br /><br />Mas eu levei tudo isto numa boa. Perrengue mesmo passei no Pará. Em Afuá, no Marajó, simplesmente não se achava café. Sim, café, este líquido precioso e indispensável para sobrevivência humana. Não que os afuaenses não tomassem café. Eles só não vendiam. Na padaria: acabou. Mas são nove horas da manhã! Mas acabou. Outra padaria: ah, aqui só temos pão. Era final de tarde e a vida já estava se tornando insuportável quando, enfim, numa lanchonete caseira, a dona me disse:<br />- Ter, não tem. Mas, se você quiser, posso fazer.<br />Ufa! Sorri agradecida, lembrando como é bom quando estamos fora de casa e conseguimos não passar por privações.<br /><br />Por estas e outras, fico pensando na repórter, parceira de viagem do Pedro Martinelli. Iogurte? Saladinha? Minha filha, dieta se faz em casa. Na rua, se encontrar comida, agradeça e peça a Nossa Senhora do Desterro que te proteja da salmonela e companhia. E bom apetite!uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-21248402841418649792011-05-27T13:57:00.000-07:002011-05-27T14:27:35.904-07:00Juan Rulfo<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/-xjPKZ8TG0VM/TeAXMZ2-fMI/AAAAAAAAASQ/hMrjpdGzQ6s/s1600/Juan-Rulfo-presente.gif"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 267px;" src="http://2.bp.blogspot.com/-xjPKZ8TG0VM/TeAXMZ2-fMI/AAAAAAAAASQ/hMrjpdGzQ6s/s400/Juan-Rulfo-presente.gif" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5611510637570981058" border="0" /></a><br /><br /><br />Era um bar instalado nos fundos de um estacionamento, num imóvel meio caindo e mobiliário mais descombinado que de república estudantil. Mas com muitas opções de cervejas de nomes impronunciáveis, aprisionadas em garrafas pequenas e preços grandes. Enfim, um pouco daquele pedantismo paulistano, que oscila entre pretensão e charme. Para ficar ainda mais charmoso – e pretensioso – só tocava jazz. <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">E eu nem ouvia a música, nem bebia cerveja: estava ocupada demais com o pesado embrulho de presente em minhas mãos. Era óbvio que era um livro. Mas qual? Eu intencionalmente não abria. Queria prolongar aquela sensação gostosa de ansiedade, antes que a curiosidade falasse mais alto. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Quando abri, abri devagarinho. Na parte de baixo da capa, vislumbrei as palavras Juan Rulfo. Fechei correndo. Juan Rulfo? O livro “100 fotografias”, de Juan Rulfo? Precisei de alguns segundos antes de ter coragem de abrir novamente e confirmar. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Uma semana antes eu tinha lido um texto de outro Juan, o Esteves, sobre esse livro. E o desejei com tanta força que nem ousei desejá-lo. Sabe como é? Quando uma coisa é tão especial que a gente humildemente nem se atreve a querer? Foi assim. Só que eu mandei esse texto para uma pessoa muito querida (juro que não foi uma indireta). Que dias depois entrou numa livraria para comprar um presente de aniversário para um amigo. E o livro estava lá, todo exibido. Agora está aqui, ora nas minhas mãos, ora na mesinha da sala (Helena, se você encostar um dedo nesse livro, se amassar, sujar ou qualquer coisa assim, o bicho vai pegar!). </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Eu e o Juan Rulfo fomos apresentados há pouco mais de um ano. Um ano e dois meses, para ser exata. Quero dizer, ele foi apresentado a mim, porque duvido muito que ele saiba quem eu sou. Foi um presente também, um pacotinho que chegou pelo correio, enviado de Florianópolis por um amigo querido com quem compartilho meu apego por livros (a misantropia é uma bobagem: o que mais vale nessa vida é a presença de pessoas queridas). Mas não era um livro de fotos, era o romance “Pedro Páramo”. E eu nem sabia – nem havia nenhum comentário no livro, nem meu amigo me disse – que o autor era também fotógrafo. Foi pesquisando sua obra literária que fiquei sabendo, com o comentário contundente de Susan Sontag: “É o melhor fotógrafo que conheci na América Latina”.</p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Se ela disse, quem sou eu para discordar? Foi o meu fotógrafo do ano. Comecei a pesquisar imagens e textos sobre ele. A última coisa que vi foi justamente a crítica de Juan Esteves, publicado no blog do Paraty em Foco, sobre o livro que foi lançado em dezembro de 2010 pela Cosac Naify e é uma homenagem ao fotógrafo. São, obviamente, cem fotografias, com praticamente todas as temáticas que ele abordou (de fora ficaram apenas as fotos de dança) e que fazem uma espécie de resumo de seu trabalho fotográfico. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Carlos Juan Nepomuceno Pérez Rulfo Vizcaíno nasceu no México em 1917 e passou toda a infância e adolescência no interior do país. E foi nesse o espaço em que viveram também seus personagens, os criados pelas palavras e os criados pelas imagens. Apesar de ser considerado por muitos críticos como o maior escritor mexicano e um dos maiores do continente, Rulfo assumia a autoria de apenas dois livros: os contos de “Chão em Chamas” e o romance “Pedro Páramo”, publicados em 1953 e 55. Na década de 60, “O Galo de Ouro”, com textos que ele escreveu para cinema, foi publicado por insistência de seu amigo Vicente Rojo. Já o fotógrafo Juan Rulfo parece ter nascido bem mais tarde. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Apesar de suas fotos terem sido publicadas já na década de 40, na revista América, ele só foi reconhecido como fotógrafo quando aconteceu a exposição Homenaje Nacional, no Palacio de Bellas Artes, na Cidade do México. Três anos depois, 96 imagens da exposição se transformaram no livro “Inframundo”. Depois vieram “México, Juan Rulfo Fotógrafo”, “Juan Rulfo, letras e imágenes” e “Juan Rulfo”, todos lançados a partir de 2001.</p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">É claro que as duas coisas, fotografia e literatura, estão sempre sendo comparadas. Há os que procuram as similaridades. E os que procuram as diferenças. Os que acreditam que ele escrevia para expressar o que não cabia nas fotos. E os que acham que ele fotografava para completar com imagens suas histórias. Mas Victor Jimenez, curador do livro “100 fotografias”, encerra a questão: “os dois conjuntos de obra que Rulfo nos legou não podem ser vistos em separado ou como complementares. São, ao fim e ao cabo, uma coisa só”. Pensando dessa forma, o melhor parece ser deixar o livro de fotos junto com o romance “Pedro Páramo”, no meu armário de livros. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">É um velho armário fechado com portas de vidro, onde protejo da fúria tsunâmica de minha filha de cinco anos alguns objetos preciosos. Estão lá minhas velhas câmeras analógicas, duas cumbucas feitas pelos índios Assurini, do Pará, uma miniatura em cerâmica de uma peça arqueológica Maracá, um cartaz enrolado do Museu de Arqueologia e Etnologia de São Paulo, um exemplar de “Amazônia Antiga”. Além de vários livros mesmo, já que é para isso que se presta um armário de livros. Pierre Verger, Roger Bastide, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Gabriel García Marquez, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Cândido de Carvalho, Joyce, Cortázar, Borges, Hemingway, uma fração da coleção rubra e doirada “Os Imortais da Literatura Universal”, além de um monte de porcarias, das quais não me desfaço porque sou apegada a livros, mesmo aos ruins. Tenho até a “Moderna Enciclopédia Sexual”, publicada na década de 60, quando o divórcio ainda “deveria ser incluído na legislação brasileira”. Nesse armário de livros ganhos, esquecidos e, confesso nem um pouco envergonhada, furtados, ele estaria a salvo. E em boa companhia. </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">Mas eu ainda estou no processo de encantamento, daqueles bobinhos que temos em começos de namoro. Quero que ele fique ao alcance das minhas mãos. A qualquer momento do dia, posso pegá-lo e passear os olhos pelas fotos. Ou ler um dos vários textos. Ou simplesmente deslizar a mão pela capa, para evitar que qualquer poeirinha o incomode. Além do mais, minha filha já vai fazer cinco anos, está na hora de aprender a respeitar as coisas sagradas. E ela já sabe o que acontecerá se causar algum dano ao meu livro:</p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify">- Não sabe, Helena? </p> <p class="ecxwestern" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify">- Sei, mãe, a coisa vai ficar feia <i>po</i> meu lado!</p><p class="ecxwestern" style="margin-bottom: 0cm;" align="justify"><br /></p><p class="ecxwestern" style="margin-bottom:0cm" align="justify"><br /></p>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-22338153241150855702010-11-22T17:44:00.000-08:002010-11-22T17:46:09.890-08:00No caminho<div align="justify">A senhora vem numa cadeira de rodas. Falta-lhe a perna direita, amputada na altura da coxa. A esquerda está enfaixada e sua pele é ainda mais escura que o resto do corpo marrom. Penso com certa aflição que em breve terá o mesmo destino. Quero observá-la enquanto se aproxima de mim, mas sua filha me fita e me acabrunho com a seriedade de seu olhar.<br />Por aqui passam vários cegos. Um, dois, três... Cada bengala é um terceiro olho. Ou talvez o único. De longe, atento para a ponta das bengalas, esperando o momento em que falharão e o cego trombará com o obstáculo. Sem me envergonhar desse pequeno sadismo, imagino que todos olhem esperando a mesma coisa. Um deles esbarra de frente com uma parede, só então me sinto constrangida.<br />Mulheres. Jalecos. Cabelos. Batons. Sapatoc... toc... toc...<br />Aquela foi uma noite de sábado. Pendurado no retrovisor, um esqueletinho de plástico prateado balança seus ossos. O taxista tem uma morenice quase índia. Junto essas duas referências e ensaio perguntar se ele é mexicano. Mas me calo. Na ponta oposta do banco, o homem dorme. Seu corpo é grande e macio. Não sinto, mas sei que seu cheiro é leve e claro, como sua pele chuviscada de sardas. Insisto comigo mesma que deveria falar com o taxista. Mas ele não é simpático e fico tímida.<br />Hoje, vejo os carros. Preto, prata, preto, prata, preto, prata. Por que tantos carros são pintados apenas com essas duas cores? À minha esquerda, um convento. Em alguma memória de infância, me dizem que nesse convento se produzem hóstias. Em alguma lembrança da juventude, lembro da amiga que dizia comer sobras de hóstias, que sua mãe ganhava das freiras, enquanto assistia à televisão. Rebarba, a palavra exata.<br />Até quando serei eu? Há um cansaço em ser para sempre a mesma pessoa. Tenho preguiça da eternidade.<br />Cobrindo o morro, muitas casas inacabadas se põem uma ao lado da outra e da outra e da outra. Aqui e ali, algumas - bem poucas - recebem o luxo de uma mão de tinta. Azul, amarelo, verde. Lembram-me uma prateleira de farmácia, lotada de pequenas caixas de remédio.<br />No livro italiano, o autor descrevia uma cena onde um casal passeia por uma praia. Não muito longe, se avistam pinheiros. Fiquei atenta às personagens, incapaz de visualizar o cenário. Pinheiros numa praia me parecem um absurdo excessivo para minha experiência tropical. Mergulho no quente escuro e é em um desses abismos de água que o homem me encontra.<br />O sol apenas insinua sua chegada quando ele acorda. Agora, quem dorme sou eu. Desperto quando sua mão alegre toca o couro elástico e escorregadio do meu quadril, ainda molhado e salgado de mar. As sereias, fora da água, pedem colo. Minha intolerância em pedir ajuda é tanta que, sem nem abrir ainda os olhos, desenho para mim longas pernas morenas, para que possa escapar quando quiser.<br />O que não posso é ser só mulher. Enfio ávidas mãos dentro de mim e trago o que primeiro encontro. Enquanto a mão alegre me passeia, minha boca se abre e não me surpreendo com os miados. Aninho-me no peito do homem e ronrono. Seu peito é grande e macio. E seu cheiro é leve e claro como sua pele chuviscada de sardas. Amanheço num domingo de primavera. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-6636776456447749162010-11-12T12:33:00.000-08:002010-11-18T18:34:08.613-08:00A Sala da Luz Vermelha<div align="justify">Era uma vez um lugar quase mágico, onde imagens eram reveladas. Para chegar lá, passava-se por uma espécie de portal, abertura através de negras cortinas, muitas vezes em zigue e zague. Lá dentro, tudo era igual e, ao mesmo tempo, diferente. Sabíamos que ainda estávamos neste mundo, mas não podíamos vê-lo como tal. Para começar, a luz. No espaço escuro, a única luminosidade era vermelha, como uma lua colorada numa noite quente. E os cheiros! Eram fortes, marcantes, diferentes dos cheiros que nossos narizes encontram nas ruas: muitas pessoas achariam repugnantes os odores químicos que tomavam o lugar. Como deve ser o inferno, repleto de enxofre. Mas, como explicar? Quem entrava ali por vontade própria, já na primeira vez se sentia inebriado com aquele cheiro. Hoje, tantos anos depois, ainda tenho guardado em algum ponto prazeroso de minha memória os cheiros deste lugar. Uma mistura perfumada de produtos que se diluíam em água, nas proporções bem calculadas, para que as imagens aflorassem no tempo certo.<br />No local mais sagrado deste lugar, um altar invertido, estava um equipamento onde um pedaço de filme negativo era introduzido e uma luz – a única que não era vermelha- ampliava sobre um pedaço de papel fotossensível um desenho pouco compreensível para os intrusos. E o papel era mergulhado em bandejas recheadas de líquidos. Então, magicamente, ia surgindo pouco a pouco uma imagem positiva. Ah, a primeira vez que uma pessoa vê isto acontecer é incrível! Do fundo da água, em pontos escuros que vão se transformando em linhas e as linhas em sorrisos e olhares e composições... Na verdade, era sempre emocionante, fosse a primeira, a décima ou a milésima vez. E lá se iam uma hora, duas, três, oito horas esquecidas do mundo real... Eram sempre horas de magia. Eu disse magia? Não, este processo era pura técnica.<br />O tempo exato de a luz queimar o papel, o tempo exato no revelador, o tempo exato de interromper... Tudo calculado segundo a segundo: um relógio preciso era presença obrigatória. Se possível, um temporizador. Claro, muitas vezes as coisas não eram como se esperava. A pessoa batia os olhos numa cena, mas errava a exposição. No negativo, memória e registro não se bicavam. Hoje, um pouco de habilidade em programas de imagem resolvem bem este problema. Mas, lá na terra da luz vermelha, a habilidade morava no jeitinho de conduzir a luz sobre o papel. Com os dedos quase fechados, formando um túnel para a luz passar, como um jato direcionado, queimava-se as partes que deveriam ser queimadas. E poupavam-se as que deveriam ser poupadas. Ou se movia a mão escondendo um ou outro pedaço do papel. Sempre em movimento, para não ficarem marcas. Quantas imagens não foram salvas com estas máscaras! Mas não pense que era fácil. Era preciso ter experiência e fazer muitos testes até chegar ao ponto certo. Era preciso, acima de tudo, uma boa dose de sensibilidade e intuição para chegar lá. Também existiam os negativos com pouco contraste... Ah, é só ir clicando nas setinhas da esquerda onde se lê contraste, né? Não, meu filho. A sala da luz vermelha, apesar do nome parecido, não é o Lightroom. Era preciso calcular abertura e tempo de exposição, tempo de revelador e interruptor. Era preciso fazer tudo de novo. Também se podiam usar os filtros de contraste. Fosse como fosse, haja experiência, paciência e sensibilidade para chegar ao resultado ideal.<br />A fotografia digital tornou o processo completo – da captação à ampliação- muito mais acessível. E isto não significa que qualquer um consegue bons resultados. Experiência, sensibilidade, paciência e outras habilidades ainda determinam quem é de fato bom profissional. Mas o que me pergunto é onde ainda existem estes lugares incríveis, onde um sujeito de bem podia passar dias tão felizes na companhia das imagens? Faculdades? Laboratórios comerciais? No quartinho dos fundos de algum fotógrafo à moda antiga? Quem ainda tem um sagrado ampliador P&B, bandejas para a química e aquela peculiar lampadinha vermelha?<br />Não faço coro aos saudosistas. Mas sinto pena pelos mais jovens que já debutaram em câmeras digitais e não tiveram a oportunidade de aprender um pouco mais sobre o trato com a luz. A refotografia: quando fotografia era novamente feita, desta vez positiva e no papel. Ah, a luz vermelha, a magia das imagens surgindo... E, claro, o odor delicioso que só a mistura de revelador, fixador e interruptor podem produzir. Este odor grudento que ainda sinto cada vez que penso num laboratório de revelação P&B. Oras, quer saber? Eu sou, sim, uma saudosista. </div><div align="justify"><span style="color:#ffffff;">.</span></div><div align="justify"><span style="color:#ffffff;">.</span></div><div align="justify"><span style="color:#ffffff;">.</span></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">Publicado originalmente no Fotocolagem. <a href="http://fotocolagem.blogspot.com/">http://fotocolagem.blogspot.com/</a></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-84457135056780731122010-09-26T18:43:00.000-07:002010-09-26T18:53:46.192-07:00Chiclete<div align="justify">Testou o e-mail alternativo: senha incorreta. Uma friagem escorregou pescoço abaixo, abraçou costas e peitos. Ele mudou a senha. Então soube que não adiantava mais continuar fingindo que não sabia. Depois de semanas de palavrório mal convincente, era hora de ter provas para esfregar na cara do safardana. Encerrar o ato.<br />Olhou a dica de senha: é de mascar. Oito letras. Tão fácil que ela compreendeu, quase compassiva, que tudo o que ele mais ansiava era que ela descobrisse. Na sua frente apareceu uma longa lista de mensagens. Todas de uma mesma pessoa: uma de suas mais queridas amigas. A vulva loira. Sirigaita!<br />Bastava ler a primeira. Leu todas. Um mês de paixonite descritos nos detalhes tão necessários aos apaixonados. O violão que ele tocava. E ela ouvia. O hotelzinho onde se acostavam. O restaurante onde comiam. O desconforto que ela descreveu, num muxoxo sentidinho, por ele ainda não ter passado a mão nos trapos e tirado a escova de dentes do armário. E a facada final: o convite que ele fazia para o aniversário do tio dali um mês.<br />Nem todas as declarações piegas de amor entre os dois, que se chamavam por diminutivos fofinhos, foram tão doloridas quanta a festa do tio Waldir. Pitombas! Como ele podia levar a sirigaita numa festa de familiagem reunida se ainda estavam casados? Há cinco anos casados! Por alguns minutos, o chão escapou. Na leveza do susto, que travou o estômago e provocou uma sensação de alheamento, não teve vontade de dizer palavra.<br />Copiou os textos de todos os e-mails trocados entre os dois e mandou para ele. No assunto, uma frase de amor qualquer. Nem uma palavra a mais. Fim do último ato.<br />De vez em quando, o tio Waldir dá as caras na sua lembrança. Gostava dele, bom sujeito. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-81485717921419436922010-09-01T06:01:00.000-07:002010-09-01T06:06:56.630-07:00Um Motivo<div align="justify">Estou na cozinha da nossa pequena casa de madeira. Vejo minha mãe -uma baiana que está há tantas décadas em São Paulo que já nem lembra que nasceu em outro estado- ao fogão. Ela está fritando grandes batatas cozidas, recheadas com uma fatia de mortadela: uma iguaria que, depois de adulta, fiquei sabendo que se chama “batata cansada”. Sei que bebemos tubaína. Aquela da garrafa de vidro marrom, que tinha no rótulo um desenho de frutinhas para mostrar que era sabor “tutti frutti”. Muitos fogos, muito barulho. E um cachorro vira-lata bem guaipeca, preto de patas amarelas, que, como a maioria dos cachorros da época, era batizado de Duque. Pela porta da sala, vejo meu pai, um funcionário público do baixíssimo escalão, e nosso vizinho eufórico. Acho que estão carregando bandeiras. Sei que vamos todos sair no nosso fusca cor de vinho, que tinha um adesivo do Fred Flintstone e era chamado de Canejão. Vamos nos juntar aos muitos carros que já buzinam nas ruas desta cidade periférica.<br />Mas lembro, sobretudo, da alegria. Uma tão grande alegria que não se podia explicar a uma criança tão pequena. Eu tinha, em 1977, apenas 4 anos e olhava os adultos encantada com sua euforia.<br />Poderia enumerar mais um grande número de razões. Mas esta pequena lembrança, da quebra do jejum de 23 anos (na verdade, foram 22 anos, 8 meses e 7 dias) sem título, escurecida pelo tempo como uma foto mal fixada, é suficiente. Este pequeno registro afetivo me basta para compreender porque sou corintiana. E porque sempre serei. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-61361677192032122362010-08-16T12:42:00.000-07:002010-08-16T13:39:25.575-07:00Trivial Simples: Carne de Porco à Edson Franco (ou como demonstrar amor próprio cozinhando só para você em plena segunda-feira)<a href="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/TGmVbR5JeEI/AAAAAAAAAOI/JXtEPTY-fkg/s1600/segunda.jpg"><img style="MARGIN: 0px 0px 10px 10px; WIDTH: 289px; FLOAT: right; HEIGHT: 194px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5506096315329247298" border="0" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/TGmVbR5JeEI/AAAAAAAAAOI/JXtEPTY-fkg/s200/segunda.jpg" /></a><br /><div align="justify"><strong>Ingredientes </strong><br /><br />Um bife de coxão mole suíno.<br />Meio pimentão amarelo médio cortado em tiras<br />Meia cebola média também em tiras<br />Meio raminho de alecrim desfiado<br />Quatro ou cinco cogumelos franceses fatiados<br />Meia dose de aguardente composta com zimbro<br />Azeite extra-virgem<br />Sal<br /><br /><strong>Preparo</strong><br />Em uma chapa de ferro bem quente coberta com azeite, sele o bife dos dois lados. Polvilhe com um pouco de sal e deixe-o dourar. Quando estiver dourado, acrescente, na sequencia, o pimentão, a cebola, os cogumelos e, por último, o alecrim. Regue com mais um pouco de azeite. Vá mexendo cuidadosamente sem parar. Quando o pimentão estiver macio (mas ainda firme) e o bife bem dourado, desligue a chapa. Acrescente a aguardente.<br /><br />Acompanha arroz branco, feijão carioca, salada de almeirão picadinho com azeitonas, meio pãozinho. E, claro, mais azeite.<br /><br />Rendimento: uma porção<br />Tempo de preparo: meia latinha de cerveja bem gelada.<br />Avaliação: estou me amando muito hoje.<br /><br /><br /></div><a href="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/TGmU1OZZW3I/AAAAAAAAAOA/T6eh9xNlKFI/s1600/segunda-2.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 267px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5506095661555735410" border="0" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/TGmU1OZZW3I/AAAAAAAAAOA/T6eh9xNlKFI/s400/segunda-2.jpg" /></a><br /><br /><div></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-18727375395590846432010-05-31T19:10:00.000-07:002010-05-31T19:50:43.050-07:00Robertina (ou mais uma estória de amor).<div align="justify">Robertina corria ladeira abaixo em direção à casa de uma família conhecida. Antes de chegar, porém, foi surpreendida com a presença de um rapaz. Sob uma grande árvore, ele retirava, com uma pá, porções de terra que jogava para o lado. Ela estacou em frente a ele, o olhou por um momento, e disse pausadamente:<br />- José Bittencourt, o que você está fazendo?<br />Interrompendo o trabalho, o rapaz respondeu:<br />- Estou construindo o caminho de nossas vidas.<br />Ela acordou em seguida, muito impressionada com o sonho, ouvindo o som de um motor longínquo. Chamou a mãe e perguntou que barulho era aquele, que ela nunca tinha ouvido. A mãe respondeu que era o caminhão dos Bittencourt.<br />Estamos sentadas uma em frente a outra, na cozinha. Ela tem um jeito sereno e enfático de falar e vai completando as idéias com gestos firmes, desenhando com o dedo indicador na toalha da mesa. Observo seu rosto já bem enrugado, seus olhos puxados, cabelos brancos apanhados num coque mal feito, seu ar de índia velha. No quarto, seu José. De regata branca puída e uma calça tão gasta quanto, ele brinca com a bisneta de seis anos, expressando o seu característico bom humor. Eles acabam de completar 60 anos de casados.<br />Na mesma semana em que sonhou com o noivo, Robertina o encontrou num baile. Nestes tempos, estes bailes da roça eram a principal atividade social para os jovens e muitos namoros começaram assim. Ela me contou que eles já se conheciam há muito tempo, mas que ele nunca tinha botado reparo nela. Neste dia, porém, ele disse ao irmão que estava cansado da vida de solteiro e que ia encontrar uma noiva no baile. Enquanto dançavam, ele pareceu notar pela primeira vez o encanto da moça de dezenove anos. Pediu-a em namoro. Ela, ao contrário, há muito esperava por esta oportunidade. Mas respondeu com astúcia feminina que era uma moça séria, não poderia dar uma resposta sem antes falar com a familia. A resposta? Somente no próximo baile.<br />Com um ar um tanto desgostoso, ela me conta que não foram décadas fáceis, que ele não foi exatamente um marido amoroso como ela gostaria. Muito séria, me confessa um segredo: houve um momento, até, com os filhos já crescidos, que ela chegou a juntar suas coisas para partir. Mas ficou. E foi construindo com José um caminho longo e sólido.<br />Há dois anos, liguei para sua casa, saudosa de me aproximar da sua sabedoria, sempre certa e tranqüila. É seu José quem atende. Me diz que é impossível falar com ela.<br />- A dona Robertina está no céu- me diz com um bom humor quase inadequado para a notícia.<br />Desligo o telefone sem me identificar. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-6114344408881475872010-05-04T17:13:00.000-07:002010-05-04T17:20:36.381-07:00Maio<div align="justify">Zennoshin Shoji, 94 anos<br />Manaus, AM<br /><br />Foi num mês de maio que Zennoshin Shoji conseguiu dar um dos maiores passos de sua vida: encontrou uma noiva. Uma proeza para quem pretendia partir do Japão para a Amazônia. Que pais aceitariam com facilidade deixar sua filha se casar e partir para tão longe? O jovem que alimentou desde a infância o sonho da imigração seguia os passos dos koutakusseis, grupo de estudantes de agricultura que se estabeleceram na região de Parintins, no Amazonas, na década de 30, cumprindo um acordo entre governos. Em 1937, enfrentou com bom ânimo os três meses de viagem, ao lado da esposa Tomoyo. Shoji, hoje com 92 anos, pisca muito os olhos e diz com seu bom humor característico: “Sabe, né?, casado novo, todo repleto e cheio de esperança, eu vim no navio namorando; era feliz demais apesar de ser imigrante!”.<br />Na província de Miagi-Ken, em Sendai, onde nasceu, a falta de recursos provavelmente o condenaria a uma vida de privações ou a emigração forçada para a Manchúria.<br />Mas quem disse que ele estava preparado para a lida na roça? Disposto a realizar seus sonhos, Shoji teve que aprender a carpir, plantar, colher. O foco inicial dos koutakusseis era a juta. A planta trazida da Índia, no entanto, não se adaptou com facilidade e foram precisos vários anos de pesquisa e trabalho até que, finalmente, ela se tornasse um negócio lucrativo e trouxesse grandeza para a colônia conhecida como Vila Amazônia. Escola, armazéns, templo e até hospital. Uma história de amor tão bonita quanto o casamento de Shoji se fazia entre Brasil e Japão, até que a segunda Guerra Mundial acabou com a Lua de Mel e tornou os dois paises inimigos. E os japoneses passaram a ser perseguidos. Muitos perderam bens. Muitos se perderam da família. Da Vila Amazônia, hoje restam poucas ruínas e o cemitério, onde muitos koutakusseis estão enterrados. Destes tempos, Shoji se lembra do dia em que apanhou de um policial com uma tira de couro de peixe. “Eu não entendia porque os soldados não gostavam de japonês, né?”.<br />Como se fizesse um balanço de sua própria vida, conclui que, apesar de todas as dificuldades, estava correto quando decidiu onde seus olhos rasgados veriam seus filhos crescer. Sentado em uma cadeira de trançado azul, enquanto dois cães brincam atrás da grade que nos deixa ver um quintal com palmeiras, seu Shoji mira o céu e busca palavras já prontas.Porque já sabe o que quer dizer, já sabe o que sente: “Eu sempre achei que a Amazônia fosse mesmo a minha terra”. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-19451529025978391022010-04-25T17:40:00.000-07:002010-04-25T17:42:56.449-07:00Guaraná com formicida<div align="justify">A voz chamando no portão tinha algo de urgente e temeroso ao mesmo tempo. Ela o recebeu ali mesmo, em frente ao jardim, tendo rosas e cravos e dálias, como testemunhas. Não por desprezo, mas por medo que o sentimento que quase a sufocava a fizesse mudar de idéia. O homem sorridente, músico que amanhecia em bares entregue ao violão, estranhamente a esperava aflito. Tinha um ar decidido que quase lhe ocultava o medo. Não disse muito, apenas pediu para voltarem. Trazia na garganta um sem número de razões para isto, trazia todos os argumentos e todas as palavras de amor, tudo calado pela boca, mas dito por seu olhar de tragédia. Mas ela foi firme e negou com a cabeça o que mais desejava. Ninguém sabia, nunca ninguém soube, o desejo reprimido, a correnteza represada no seu gesto de negar. Foram poucos minutos, poucos gestos, poucas palavras. Tudo suspenso, tudo esperando pela explosão de desejos que a custo souberam barrar.<br />Ele partiu de cabeça baixa. Ela tentou manter a cabeça erguida. Em seu quarto, pensou ainda muitas vezes na angústia de esposa esperando o marido que só chega de manhã, embriagado, os filhos esperando pelo pai que se divertia com mulheres várias, a ausência maior que o aconchego de amante. Por mais que ele fosse aquele que mais amara, acreditava estar sendo sábia e, apoiada nisto, controlou as lágrimas que insistiam em se espalhar por seu rosto. Só se entregou ao choro quando vieram lhe trazer a notícia de que ele se matara. Guaraná com formicida. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-69478458097664171132010-04-09T15:15:00.000-07:002010-04-09T15:29:36.692-07:00Rio de Janeiro, gosto de você!<div align="justify">Há pouco tempo, num almoço entre amigos, rolou uma discussão do tipo ‘se você tem dinheiro, qualquer lugar é bom para se morar’. Pensei rapidamente e soltei: Eu, com muito dinheiro, me mudava para o Rio de Janeiro. Meu ex marido, que estava presente, me olhou um tanto pasmo e disse que não sabia que eu gostava tanto assim do Rio.<br />É agora eu podia entrar numa daquelas prolongadas discussões comigo mesma sobre como as pessoas convivem por um tempo, dividem a mesma casa, comida, banho, etecéteras e tais e ainda não se conhecem. Mas nem vou me arriscar.<br />O que eu penso é: será que eu não deixo claro o quanto eu gosto do Rio? Caraca mermão, shó porrrque eu fico imitando o shutaque dush cariocash? Porque implico com o hábito hediondo que eles tem de por catchup na pizza (eca!)? Pior, eu completo: também, com as pizzinhas ruins que eles tem... Sem contar que os garçons são antipáticos, muito diferentes do carismáticos garçons da paulicéia.<br />Mas a verdade é que eu amo esta cidade. Só para começar, tem mar. E montanha. E, apesar de eu estar sempre dizendo que os cariocas são malas, eu só conheço carioca CB (sangue bom. Ui!). De vez em quando fantasio que moro no Rio e aos finais de semana vou subir alguma pedra com amigos montanhista. De manhã, levar minha filha Helena para brincar na praia e, no fim de tarde, quem vai à praia sou eu. Na minha fantasia, morar no Rio é um aumento de qualidade de vida: eu vou praticar mais exercícios, me alimentar melhor, ser mais alegre. Sim, tem todos aqueles problemas que todo mundo sabe. Mas, e daí? Eu moro em Itapecerica da Serra, com um pé de açaí na porta, esquilo no quintal e um dos maiores índices de violência do país. Toda cidade há de ter seus prós e contras. E eu faria minhas malas rapidinho só para passar um final de semana no Rio, mesmo agora, em que a cidade ainda está de luto. E eu me sinto de luto também, entristecida como ficamos quando sofrem as pessoas queridas.<br />Bem, mas por que mesmo eu estou falando isto? Não é por causa da conversa entre amigos nem pela tragédia da cidade (que merece mais reflexão e profundidade do que estou sendo capaz no momento). É só porque eu recebi um e-mail da Monica Ramalho ( <a href="http://www.monicaramalho.com.br/">http://www.monicaramalho.com.br/</a>) falando do Copafest.<br />Imagine! Um festival com aqueles músicos que só podem ser descritos com adjetivo clichês (monstro sagrado, gênio musical, fera!): Hermeto Pachoal, César Camargo Mariano, Marcos Valle, Chico Pinheiro... E no Copacabana Palace (que eu só conheço de fachada e pelo livro lançado pela DBA Editora). Melhor ir direto no site do festival para entender um pouco e concorrer a ingressos <a href="http://www.copafest.com.br/">http://www.copafest.com.br/</a>. De quebra, ouvir boa música online.<br />E lembrar que num momento em que paira tristeza e indignação, a cidade ainda tem fôlego para a arte, a boa música e gente. Resumindo: dá para não amar esta cidade?<br /><br />( Eu também amo São Paulo, com força e fé. Mas esta é outra história) </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-36982671532882057062010-03-09T18:29:00.000-08:002010-03-09T18:33:19.697-08:00A última luz do dia<a href="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cExvpFCTI/AAAAAAAAAME/3-guKMkHmXs/s1600-h/03-3.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 267px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5446827526976768306" border="0" alt="" src="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cExvpFCTI/AAAAAAAAAME/3-guKMkHmXs/s400/03-3.jpg" /></a><br /><div><a href="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cEo6cZNxI/AAAAAAAAAL8/trqocFzRnIE/s1600-h/04-3.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 267px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5446827375257532178" border="0" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cEo6cZNxI/AAAAAAAAAL8/trqocFzRnIE/s400/04-3.jpg" /></a><br /><br /><div><a href="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cEgF1cqnI/AAAAAAAAAL0/95gbMn-t-yg/s1600-h/05-3.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 267px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5446827223696583282" border="0" alt="" src="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cEgF1cqnI/AAAAAAAAAL0/95gbMn-t-yg/s400/05-3.jpg" /></a><br /><br /><br /><div><a href="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cESibIenI/AAAAAAAAALs/RLuCi6SxU3E/s1600-h/06-3.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 267px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5446826990852668018" border="0" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S5cESibIenI/AAAAAAAAALs/RLuCi6SxU3E/s400/06-3.jpg" /></a><br /><br /><br /><br /><div></div></div></div></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-69369941648475197202010-03-02T12:19:00.000-08:002010-03-02T12:24:54.193-08:00No templo sagrado de Mindlin<div align="justify">Ele não chegou a notar minha existência. Mas eu notei a dele: nas duas oportundades que estive de estar perto de José Mindlim, fiquei quietinha observando sua figura peculiar.<br />A primeira vez foi numa semana Roseana, um evento que acontece todos os anos em Cordisburgo, cidade natal de Guimarães Rosa, na semana que seria de seu aniversário. Durante uma apresentação de teatro, em que um excelente ator conterrâneo de Rosa interpretava o texto de “Meu tio, o Iauaretê”, percebi uma movimentação exagerada das doutoras da Usp, sempre presentes ao evento. Autoras das mais complexas teses sobre a obra roseana, sorriam e se mexiam como mariposas em volta da lâmpada. De gentilezas em gentilezas, tentavam acomodar numa das cadeiras da platéia um homem idoso. Se o Guimarães Rosa não tivesse morrido há décadas, pensaria que era o próprio que viera receber as homenagens. Um pouco atrás, demorei para compreender o que estava acontecendo, quem era o visitante tão ilustre. Era José Mindlim.<br />Confesso que sabia quase nada e até hoje sei pouco sobre ele (descendente de judeus russos, empresário, contrário ao regime militar... bibliófilo).<br />Mas isto nao me impediu de ver a força que sua figura doce provocava. Na outra vez em que o vi, foi em sua própria biblioteca. Um jovem que estava fazendo sua tese de mestrado sobre a história de Robinson Crusoé solicitou a ele a autorização para incluir em seu trabalho uma foto do exemplar desta obra que Mindlim possuía, a mais antiga do Brasil. E ele, generosamente, autorizou que eu e o fotógrafo João Correia Filho fizessemos a tal foto. Para mim, que fui uma adolescente tão rebelde que matava aulas para me refugiar numa biblioteca, leitora compulsiva de todo tipo de livro que passasse em minha frente, aquele era muito mais do que um salão onde se guardam livros: era um templo. Não é uma coleção de livros qualquer, esta é a maior biblioteca particular do país e tem mais de 80 anos. Ficava em uma casa paulistana, toda cercada por um jardim de folhagens tropicais. E dois andares de livros, iluminados por vidros abertos para o jardim, com escadas de madeira e perfumados com o cheiro de papel raro. Ah, o cheiro da biblioteca do Mindlin! Fiquei ali parada, abismada com o meu próprio deslumbre.<br />Quem nos recebeu e entregou o livro foi sua secretária, que nos deu liberdade para trabalhar e circular pelo espaço. Montar tripé, escolher lente, ajeitar o livro, enquadrar, fotometrar... E eu imersa na sensação de estar num lugar sagrado, tocando aquele exemplar que chegava a assustar, de tão especial.<br />Então, ele chegou. Me lembrei na hora de uma entrevista que ele deu pra Regina Casé, em que dizia que as pessoas infantilizavam os velhos. Tinham o hábito de dizer que eles eram umas ‘gracinhas’. Lembrei e corrigi meus pensamentos: porque o Mindlin, sacerdote mor na sua igreja particular, era tão doce, tão suave, tão cheio de graça. Nos cumprimentou gentil sem saber o que minha timidez me impedia de dizer. E agora ele morreu. Um homem notável que se foi aos 95 anos, deixando um rastro de admiração, depois de ter dito que não era mais que um “guardião de livros”.<br />Os livros, doados para a Universidade de São Paulo, estão passando por um processo de digitalização para que fiquem a disposição também via internet. Mas sem a presença doce e sábia de Mindlin, perderam um pouco sua graça.</div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-62690234240668665482010-02-28T17:29:00.000-08:002010-03-01T12:05:40.999-08:00Quando as lulas não vêm<div align="justify">Todos os domingos, depois de comer o pastel da dona Rosa com garapa da barraca vizinha, atravesso a feira inteira, olhando para os dois lados e decidindo o que vou ou não levar para casa. Quando acabam as barracas de legumes e frutas, ainda restam mais algumas de pastel, a de temperos, a de carne e, por último, a dos peixes. Não costumo comprar peixes. Mesmo assim, dominicalmente insisto numa teimosia: vou até a última barraca. Olho os mariscos, espio o camarão, o cação, as vermelhas postas de salmão. Mas meu coração procura outra coisa. As lulas. Aprendi, com as moradoras da Ponta da Juatinga, em Paraty, que é no verão que a pesca da lula é abundante, que elas aparecem maiores e melhores. E o preço abaixa. Eu sei disto e continuo durante o ano inteiro obsessivamente passeando os olhos pela banca de peixe, só para ser surpreendida com o feliz dia em que as lulas estarão melhores, maiores e mais baratas. Para limpá-las, temperá-las, recheá-las com fatias de queijo e pedaços de banana, deitá-las numa caminha de molho de tomates e camarões. Para encerrá-las no forno até ficarem rosadas e macias, desmanchando-se quebradiças. E surprender quem as come com a leveza do sabor inusitado.<br />Então, hoje, acordei. Fevereiro se encerra, o verão também. Cadê as lulas do verâo? Passei o ano esperando e elas não passaram de umas poucas lulinhas chochas.<br />Agora, assisti na tv uma reportagem que, em total sincronicidade com minhas dúvidas, me respondeu à pergunta. Este ano, lulas, peixes e ostras debandaram. O El Niño e o aquecimento global deixaram o Oceano que nos banha cerca de 2 graus mais quente. O suficiente para que as ostras – coitadas, não podem ir embora- tivessem dificuldades de crescimento e os outros simplesmente evitassem nossa costa. Achei até um pouco mal educado da parte das lulas ir embora assim, por causa de apenas 2 graus, mas compreendi.<br />A questão, para mim, agora é outra: foi a primeira vez que o tão falado aquecimento global teve um impacto real na minha vidinha. Mesmo com todas as imprevisibilidades do clima, como este frio de dois edredons na minha cama, com toda a chuva, todas as teorias e campanhas... Tudo isto não era real o suficiente. Mas agora sim, compreendo de forma concreta que o aquecimento global vai atingir a todos nós. Eu senti a ausência das lulas no meu verão. </div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-28349269969229710962010-02-11T06:32:00.000-08:002010-02-11T06:37:12.741-08:0023 motivos para se casar com uma Fotógrafa<div style="text-align: justify;">Pois é... no texto anterior, nos comentários, recebi uma bronca: “Só existe por acaso homem tirando fotos nesse mundo?” . Não, Luzine, não são só homens...<br />Na verdade, sou eu quem tenho convivido com fotógrafos, muitos fotógrafos, nos últimos 14 anos. Mas quase todos homens. Só trabalhei com uma fotógrafa até hoje, numa única pauta (e não namorei nenhuma, muito menos me casei). Mesmo assim, foi bem fácil fazer a lista de motivos para se casar com elas: elas são maravilhoooosas! Eu só não vou colocar todos os 150 motivos que pensei em um único dia para não destoar muito da lista anterior. Então, lá vai:<br /><br /><br />1 Ela não vai ficar pegando no seu pé pra fazer uma foto bacana dela. Quando precisa, ela mesma faz.<br /><br />2 Não precisa ficar com ciúme se ela aparecer com fotos dela mesma nua, em poses altamente eróticas, dizendo que não foi o ex namorado que fez, mas ela mesma: é verdade.<br /><br />3 Fotógrafas tem os olhos voltados para o que é belo: são estetas natas. Então, mesmo que ela seja despojada e só use jeans e camiseta preta, será uma mulher atraente. Descondicione seu olhar e vai perceber que este cabelo sempre desarrumado lhe dá um charme especial.<br /><br />4 Isto quer dizer que você, também, deve ter algo de muito belo. Mesmo que seja o desenho das sobrancelhas, o ‘incrível’ tom castanho de seus cabelos. Ou (ai-meu-Deus!) estas sardas nos ombros que ela acha “tudo”! Mesmo que sejam mínimos detalhes que nunca ninguém reparou antes, você vai ver como faz bem para o seu ego ser admirado.<br /><br />5 Ir ao cinema vai ser uma experiência enriquecedora: ela vai falar do enquadramento, da luz, da combinação de cores do figurino com o cenário... não vai ser como aquela sua namorada que, depois de ver Tróia, ficou um mês repetindo (sobre o Brad Pitt): - Meu Zeus, o que que é Aquiles!<br /><br />6 Ela não vai se importar de ir com você àquele restaurante muquifinho com toalhas de plástico, desde que – e só assim- a comida seja realmente ótima. Elas são muito exigentes, mas com o essencial.<br /><br />7 Se ela for da turma do fotojornalismo, então, mais fácil: vai acampar, tomar chuva, dormir em colchão ruim, dividir pf... ainda vai dar risada e lembrar de algum perrengue que passou a trabalho. Porque, trabalhando como fotojornalista, com certeza ela já passou por coisa bem piores. Eu mesma, uma vez, peguei uma infecção intestinal viajando de barco no Pará, rapaz!, que... bem, deixa pra outro post.<br /><br />8 Ela pode ganhar pouco, publicar pouco, ter poucos cliente, ser pouco reconhecida profissionalmente. Mas não vai ficar no seu ouvido se queixando que está no trabalho errado: ninguém vira fotógrafa por falta de opção, mas por gosto. Ela adora o que faz. (Já viu a bio de fotógrafa no Tweeter? “Sou uma apaixonada pela fotografia” “ a fotografia é minha vida” “Sou uma fotógrafa feliz, realizada com o que faço”... repara lá!)<br /><br />9 Você não vai ter que esperar por horas enquanto ela se arruma para sair. (Geralmente) fotógrafas aprendem com a profissão a ter praticidade. Mesmo que ela faça o tipo “perua” (o que eu duvido muito), saberá fazer a maquiagem e colocar todos os adornos (se tiver) em, no máximo, 15 minutos. As unhas ela pinta no carro.<br /><br /><br />10 Se vocês forem viajar de carro, ela não vai encher o porta mala com um monte de sacolas carregadas de coisas inúteis. Tudo o que está na bagagem é útil e necessário, entendeu?<br /><br />11 E você também não vai ter que carregar todas as tralhas pesadas que ela insiste em levar para um básico final de semana no Guarujá. Ela vai dizer: “pode deixar, o MEU equipamento EU levo”.<br /><br />12 Ela não vai reparar que você tá olhando para aquela gata que passou. Na verdade, se a mulher for mesmo bonita, ela vai olhar antes de você. Ela é uma esteta, esqueceu?<br /><br />13 Não precisa ter ciúmes se for você quem a flagrar olhando aquele cara maravilhoso que sentou na mesa ao lado. Ela é uma esteta, esqueceu de novo?!<br /><br />14 O expediente já acabou faz tempo mas ela vai direto para o computador mexer num tal de LightRoom? Ela vai ficar lá tempo suficiente para se assistir a todas as reprises do Brasileirão. Então, aproveite, não há mulher que tolere reprise de futebol (nem as que gostam de futebol, como eu)<br /><br />15 E por falar em futebol, também vai sobrar tempo para jogar com os amigos: ela pode ter um casamento, um ensaio ou uma pauta em pleno feriado nacional. E, saiba, nem vai reclamar.<br /><br />16 Se ela varar a noite na frente do computador e não for com LR nem Photoshop, fique tranquilo: também não vai ser com uma traição virtual. Vai ser o Flickr, o Tweeter, o blog do Clício, o Olhavê, próprio blog... É trabalho, ainda!<br /><br /><br />17 Ela tem um encontro com colegas de profissão e você não pode ir. Ficou enciumado? Relaxe, onde há mais que 3 fotógrafos, não há possibilidade de paquera porque só há um assunto. E você sabe qual. Aproveite: se não estiver passando mais nenhuma reprise de futebol, vá jogar playstation. Mulheres também não toleram’homens adultos’ jogando videogame!<br /><br />18 Ao contrário de muitas mulheres, a fotógrafa provavelmente vai gostar de assistir com você à sua coleção de filmes pornôs. Afinal, elas gostam de tudo o que se refere à imagem. O problema é que, quando você estiver bem empolgado, ela pode dizer: “mas por que será que eles usam esta luz tão dura, tão branca? Ficaria bem melhor se fosse uma luzinha lateral, meio difusa, um pouco mais quente... você não acha, amor?”. Fique calmo, amor, e mantenha o clima.<br /><br />19 Se vocês resolverem fazer um casamento como manda o figurino –vestido, buquê, igreja- você não vai ter que se preocupar com o álbum. Deixe que ela decida tudo. Pode ser que ela chame seus melhores amigos e faça um álbum colaborativo, tipo “coletivo fotográfico”! E de graça! Agora, se ela vier com um papo de casamento imersivo em 360º, fotojornalismo de casamento ou seja lá o que, diga apenas: “acha ótimo, querida”. E não reclame, em hipótese alguma, do preço: corre o risco de ouvir um discurso de classe digno de Fidel Castro (sugiro economizar no aluguel da sua roupa ou nas garrafas de uísque).<br /><br />20 Se vocês tiverem filhos, pode passar as festinhas de aniversário deles tomando cerveja lá no fundo com os outros adultos. Sabe aquela cena tradicional, do papai com a câmera na mão e a mamãe atrás do bolo com a criança no colo, gritando entre os dentes para não desmanchar o sorriso : “tá pegando o painel? Tá pegando ‘todo’ o painel?”? Você está dispensado!<br /><br />21 E também não vai ter ouvir broncas porque, na festinha de fim de ano, você enquadrou todas as crianças, menos seu filhote. Ou porque no registro do natal você ‘cortou’ a cabeça da tia preferida dela. Fotógrafas compreendem estas limitações dos outros seres humanos. Quando querem fotos boas, elas mesmas fazem.<br /><br />22 Você é fotógrafo também? Melhor ainda! Enfim arrumou uma companhia feminina (já tava pegando mal você sempre com aquele seu amigo, também fotógrafo, né?) para aquelas vernissagens semanais. Ela nem vai ficar reclamando da batatinha no palito escorrendo molho. E quando você disser: “Olha, aquele é o Rubens Fernandes Júnior”! Ela vai olhar na hora, sabendo de quem se trata. Isto é, se ela não o achar primeiro. Também vai ter alguém para olhar todas as suas fotos sem se cansar, dando palpites interessantes. E se você fotografa mulheres nuas, ela pode até sugerir alguns ‘ajustes’, mas você está livre de comentários despeitados do tipo “nossa, mas que peitinho caído que ela tem, né?”<br /><br />23 Se o casamento durar até a velhice, ela não vai ficar ao seu lado reclamando que quer ver a novela do SBT enquanto você prefere ver o Datena. Pode ficar sossegado que o controle remoto é só seu: provavelmente ela ainda estará indo a eventos, congressos e palestras de fotografia. Hum... pensando bem, se o seu futuro é ficar num sofá vendo TV, saiba: muito antes disto, esta mulher já te deixou.<br /><br />Obs. Vou dizer de novo: "não me processe que eu sou pobre". Case com uma fotógrafa por sua conta e risco!<br />Não, não é autopromoção: eu não estou querendo me casar!<br /></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com25tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-70403298572445718482010-02-09T14:19:00.000-08:002010-10-05T10:57:29.435-07:0021 Razões para se casar com um fotógrafo<div style="TEXT-ALIGN: justify"><div style="TEXT-ALIGN: justify">Ontem, o Clício Barroso colocou no seu blog as 50 razões para não se casar com um fotógrafo (<a href="http://www.clicio.com.br/blog/2010/50-razoes-para-nao-casar-com-um-fotografo/">http://www.clicio.com.br/blog/2010/50-razoes-para-nao-casar-com-um-fotografo/</a>). Fiquei abalada. Se ter um relacionamento com fotógrafos é tão ruim assim, como consegui ter três? Masoquismo? Situações mal resolvidas na infância? Compulsão esquizofrênica? Eh... burrice? É claro que não dá pra responder assim de repente, vou precisar de alguns anos de análise. Mas, como a gente tá sempre tentando se justificar para os outros, criei a minha própria lista: 21 razões para dizer sim aos fotógrafos. Tá certo que eu não consegui 50, apesar de me esforçar, mas vou buscar uma ajudinha luxuosa de Carlos Drummond de Andrade: "Há vários motivos para não se amar uma pessoa, e um só para amá-la; este prevalece”<br /></div><br /><br />1-Fotógrafos, mesmo os mais tímidos, são sempre galantes. Faz um bem pro ego!<br /><br />2-Seus pais nunca vão reclamar que você casou com um vagabundo: ele pode não ter emprego, mas estará sempre trabalhando.<br /><br />3-E se ele for um fotojornalista que vai para guerras e coisas do tipo, vai conseguir respeito até daquela sua tia mais careta, que invoca com o jeito esquisitão que ele tem (tá certo que o cara demora meses para perceber que precisa aparar o cabelo e a barba, mas, afinal, qual o problema de alguém se parecer com o Capitão Caverna quando é capaz de arriscar a vida desta forma, né?).<br /><br />4-Se fotógrafos não dão carona para o casal de amigos porque o banco do carro tá cheio de equipamentos, também não dão carona para aquele cara folgado, que vai insistir para vocês desviarem em quilômetros o caminho só para deixá-lo na porta de casa.<br /><br />5-E como o porta malas também tá sempre cheio, você é obrigada a fazer malas exíguas, que levem apenas o essencial. Ótimo aprendizado para quando for viajar sozinha: vai poder carregar suas malas sem esforço.<br /><br />6-Ir ao cinema fica bem melhor. Você aprende a observar outras coisas - além do roteiro e da fina estampa do galã - como movimentos de câmera, enquadramentos e iluminação.<br /><br />7-Na verdade, tudo pode ter uma nova cara: o fundo da lata de cerveja, a silhueta da antena do vizinho, a gota de orvalho no brotinho da samambaia... você vai começar a botar reparo em coisas que nunca tinham tido a mínima importância na sua vida.<br /><br />8- São melhores conselheiros na hora de escolher uma roupa do que as amigas. Elas sabem o que está na moda. Eles sabem o que realmente fica bem em você.<br /><br />9-Esta regra também vale para os cabelos, a maquiagem e a cor do esmalte. Eu sei... o cinza arábia tá na moda e suas amigas adoram. Mas se ele disser que “parece que você não tem mais a ponta dos dedos”, dê o vidrinho recém comprado para a sua sobrinha modernete. Ele deve estar certo.<br /><br />10-Eles gastam todo dinheiro em equipamento. Mas isto é melhor do que gastar em outras coisas, né? Imagina ser casada com alguém que gasta tudo na coleção de dvds de axé!<br /><br />11-Fotógrafos são movidos à paixão. Se está com você é porque você é apaixonante, mesmo que eles nunca digam.<br /><br />12-Também estão sempre procurando beleza. Então, seguindo o raciocínio do item anteriror, você deve ter uma beleza especial (isto eles até dizem). Mesmo que ele esteja cercado de modelos lindas, sensuais e – obviamente- mais bonitas que você.<br /><br />13-Pense nisto também na hora em que o flagrar olhando descaradamente para outra mulher: melhor do que fazer uma cena de ciúme, é dizer (mentir?) para si mesma que ele só está olhando por uma questão estética (ele é um esteta nato!).<br /><br />14-A maioria dos fotógrafos precisa viajar a trabalho, pelo menos de de vez em quando. E, a menos que você trabalhe com ele, sobra tempo para se encontrar com as amigas solteiras e ficar hooooras falando sobre aqueles assuntos que nós adoramos mas que evitamos na presença deles.<br /><br />15-Fotógrafos são exigentes. Mesmo que o restaurante que ele insiste em ir seja um muquifo com toalhas de plástico, a comida deve ser ótima.<br /><br />16- Fotógrafos têm sempre algo para te ensinar. Mesmo que sejam nomes esquisitos que mais ninguém conhece. Como Gurski. Scheimpflug. László Moholy-Nagy.<br /><br />17-Se você acha importante manter o diálogo, fique tranquila: nunca vai faltar conversa neste relacionamento. Por via das dúvidas, mantenha-se informada sobre o mundo da fotografia: talvez o tema das conversas não varie muito.<br /><br />18-Se você gosta de fotografia, tem uma ótima oportunidade de aprender muitas coisas observando sua postura profissional. Eu disse ‘observando’. Não fiquem na ilusão de que ele vai te emprestar lentes ou te ensinar a usar o flash: se o teu interesse é técnica, faça um curso. Ele, no máximo, vai querer te ensinar outras coisas, como a subjetividade narrativa cinematrográfica implícita nos enquadramentos de Sergei Eisenstein ou a importância da documentalidade dentro do contexto contemporâneo numa sociedade saturada pelo excesso de imagens cuja banalização da fotografia beira... Enfim, abra bem os olhos, balance a cabeça concordando (concorde sempre) e se matricule num curso o mais rápido possível.<br /><br />19-Seus retratos serão retocados: acabou aquela estória de por seu cachorrinho no avatar do Twitter porque não ficou bem na foto. As pessoas podem até não te reconhecer, mas que você vai ficar bem, isto vai!<br /><br />20-As fotos de corpo também podem virar uma montagem. Se ele puser o corpo de uma gostosona embaixo do seu rosto, guarde com cuidado. Se vocês se separarem, você pode usá-las num daqueles sites de ‘paquera’ quando estiver afim de ter outro namorado (e, se na hora de se conhecerem pessoalmente, ficar muito visível que você tá com vários quilos a mais, invente que está tomando um anticoncepcional que retém liquidos)<br /><br />21-Se você conseguir manter o casamento até a velhice não vai ter que se lidar com um marido aposentado na poltrona assistindo Datena e reclamando dos jovens de hoje em dia. Fotógrafos não se aposentam. E estão sempre cercados pelos jovens de hoje em dia, que ficam pedindo opinão sobre seus próprios trabalhos. Ah, eles também não assistem o Datena: o cenário é feio.<br /><br />Obs. Seguindo o raciocínio “não me processe que eu sou pobre”, deixo o alerta: não estou recomendando a ninguém que se case com um fotógrafo. Leia as duas listas e tome as decisões por sua conta e risco.<br />E, não, eu não vou mais namorar nenhum fotógrafo, ok?</div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com30tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-2869611346779612482010-02-03T18:16:00.000-08:002010-02-03T18:28:53.301-08:00Amazônia Antiga - Partida<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2oujqF1_hI/AAAAAAAAALU/n6STX5OWYb0/s1600-h/Silhueta.gif"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 214px; height: 320px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2oujqF1_hI/AAAAAAAAALU/n6STX5OWYb0/s320/Silhueta.gif" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5434207090505022994" border="0" /></a><br /><div style="text-align: justify;">Mais um barco se apronta para sair. Mulheres entram trazendo seus filhos e suas sacolas. E homens, carregando caixas nos ombros. Muita gente embarcando rapidamente, escolhendo o melhor lugar para armar a rede e depositar o aparelho de som, que garantirá a trilha sonora de todo o percurso. Alguns estão voltando para casa, outros vão a um batizado, há quem esteja deixando o lar para encontrar novos destinos. A viagem é longa, são dias pela imensidão do rio. Durante a noite faz muito frio, mas o dia é ensolarado e calmo, como a superfície plana da água. Nas margens, aqui e acolá, algumas casas de madeira, com a pintura azul desbotada, rodeadas de altas palmeiras. E a densa mata, muralha muito verde.<br /></div><div style="text-align: justify;">De vez em quando, uma pequena canoa se aproxima do barco. Crianças sobem pela corda. Trazem camarões secos ou açaí batido. Antes que todos possam reparar na mercadoria, voltam para o casco. Não devem se afastar de casa. Um trânsito incessante que se repete a cada dia, levando pessoas de uma grande cidade à outra, parando em outras menores, atravessando as estradas fluviais. Se para mim é uma novidade essa experiência, para o morador da Amazônia são caminhos habituais, rumos que se tomam desde tempos muito remotos, quando outros eram os que dominavam essa paisagem.<br /></div><div style="text-align: justify;">Olhar as pequenas casas isoladas e pensar que há quinhentos anos, quando os primeiros europeus trilharam o mesmo caminho em viagem de reconhecimento, boa parte dessa área era bem mais habitada que hoje é uma espécie de volta no tempo. Caminhar por essas margens há milênios podia significar o encontro com estradas, aldeias, plantações, línguas desconhecidas. Adentrar os sertões podia levar a outros povoados, densos agrupamentos situados a vários dias de caminho por terra ou água.<br /></div><div style="text-align: justify;">Cada vez que o barco aporta, as pessoas se acotovelam, céleres, para pisar novamente em terra, tão carregadas que estão com suas crianças e seus pertences. Há pressa, sempre há pressa. Próximo ao porto, muitas vezes há também um mercado. Ervas medicinais, frutos da terra, colheitas recentes, peixes de boa carne. E cestos e potes e panos e colares e pulseiras. Analisando vestígios arqueológicos, sabe-se hoje que, unindo toda a Amazônia, bem antes desses atuais mercados, já havia uma complexa rede de intercâmbio comercial. Peixe seco produzido por ribeirinhos, farinha torrada por sertanejos, ferramentas talhadas em rocha, ornamentos dourados que vinham de uma tal aldeia do ouro. Para lá e para cá, havia quem ia e vinha com suas embarcações lotadas de produtos comerciáveis. No estoque fluvial, seguia junto um pouco do saber de cada povo. Um diferente modo de curar uma doença, um trejeito de dança, um desenho na pintura da vasilha. E umas estórias que se espalhavam igarapés adentro, unindo diferentes povos em semelhantes devoções, mostrando que o fio da religiosidade percorria longos caminhos na disseminação do sagrado.<br /><br />(Trecho do livro Amazônia Antiga, DBA Editora / Fotos Arquipélago de Marajó)<br /></div><div style="text-align: center;"><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2ovmCoV4VI/AAAAAAAAALk/ww3EJt8WJqY/s1600-h/Homem-e-menino.gif"><img style="cursor: pointer; width: 400px; height: 264px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2ovmCoV4VI/AAAAAAAAALk/ww3EJt8WJqY/s400/Homem-e-menino.gif" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5434208230963536210" border="0" /></a><br /></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-67488696468940170132010-01-31T17:26:00.000-08:002010-01-31T17:30:43.763-08:00Dia de Eleição, outra estória de amor<div style="text-align: justify;">Era dia de eleição e eles se encontraram novamente. Como se houvessem combinado, iam votar no mesmo horário, tornando inevitável o encontro. Eram instantes tão curtos e tão intensos. Luiza já passara dos sessenta, seus cabelos prematuramente se embranqueceram e por trás dos óculos suas muitas rugas cobriam o rosto. Mas sua expressão, cada vez que o encontrava, ainda era o mesmo prazer juvenil. Ele apenas lhe acompanhava com os olhos, num misto de desejo e arrependimento, numa contenção de tantos anos frustrados.<br /></div><div style="text-align: justify;">Nos tempos dos bailes da roça, quando não passavam de adolescentes, se encontravam pelo salão, trocavam palavras de amor, deixavam seus corpos se tocarem quentes, sentindo o despertar do desejo. Luíza voltava para casa ansiando pelo próximo baile, tentando esconder de sua família suas aflições passionais. Mas alguém denunciou a paixão pelo mulato aos pais, que logo lhe arranjaram um noivo branco como ela. Proibida de conversar com ele, a moça pedia autorização para ir dançar em companhia do irmão mais velho e de Pedro, o novo namorado, gente de confiança da família. Lá pelas tantas, os braços do noivo se viam vazios, enquanto a moça se escondia pelos cantos em beijos e carinhos aflitos com o mulato.<br />A paixão clandestina seguia cada vez mais intensa e os dois já tinham prontos todos os planos para uma fuga. Até que Luíza adoeceu. Internada às pressas em um hospital da cidade, ficou dias fora, enquanto boatos corriam. O mulato era bonito, tinha muitas admiradoras. Uma delas lhe contou: Luíza tinha tirado um bebê. Estava para morrer pelo malfeito. Orgulhoso, deixou para trás todo o amor que sentia e, quando ela voltou, ele já espalhara que não queria uma mulher assim. E a moça, que se recuperava de uma apendicite, chorou por dias a dor da difamação, da perda, da traição.<br />Pouco tempo depois se casou com Pedro. Durante quarenta anos, ele foi o melhor marido que uma mulher podia desejar. Tiveram quatro filhos e ele se dedicava à família com um amor incondicional. Bastava ela chegar do trabalho e ele já ia para a cozinha lhe preparar um lanche, dizendo-lhe que descansasse um pouco. Corria de um lado para outro lhe fazendo pequenos cuidados, pequenos carinhos. Foram quarenta anos de uma relação tranquila, baseada no afeto e na confiança. Mas, toda vez que tinha eleição, Luíza e o mulato se encontravam. E seus olhos se queimavam de dor e desejo, como se ainda fossem jovenzinhos num salão de baile, descobrindo nos corpos colados a sabedoria dos amantes eternos.<br /><br /><br />(obs. esta é a minha versão para a estória que dona Luíza me contou há muitos anos, ainda pensando no amor que não pode viver)<br /></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-4085729596792852942010-01-30T11:07:00.000-08:002010-01-30T11:37:49.998-08:00Presente: Neruda<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2SGJ792B6I/AAAAAAAAAJ8/Ncn9MKbD04k/s1600-h/4096550263_ca3cc10c74.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 400px; height: 266px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2SGJ792B6I/AAAAAAAAAJ8/Ncn9MKbD04k/s400/4096550263_ca3cc10c74.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5432614555789690786" border="0" /></a><br /><div style="text-align: center;"><br />Me diga, a rosa está nua<br />ou tem apenas esse vestido?<br /><br />Por que as árvores escondem<br />o esplendor de suas raízes?<br /><br />Quem escuta os remorsos<br />do automóvel criminoso?<br /><br />Há alguma coisa mais triste no mundo<br />que um trem imóvel na chuva?<br /><br /><div style="text-align: left;">( Esta semana, 'ganhei de presente' este poema de Pablo Neruda, do "Livro das Perguntas". ´Brigada!)</div></div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5451554927433278433.post-1528387540509253382010-01-28T10:56:00.001-08:002010-02-02T16:50:57.150-08:00Cuidado, frágil !<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2I8wjWqjEI/AAAAAAAAAJU/Ei8cytW4j40/s1600-h/fr%C3%A1gil.gif"><img style="margin: 0pt 10px 10px 0pt; float: left; cursor: pointer; width: 213px; height: 320px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_4_d5rdLswOU/S2I8wjWqjEI/AAAAAAAAAJU/Ei8cytW4j40/s320/fr%C3%A1gil.gif" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5431970905383930946" border="0" /></a><br /><br /><div style="text-align: justify;">Na semana passada, numa das maiores chuvas dos últimos dias, choveu tanto aqui em Itapecerica – depois eu soube que algumas casas tinham desabado!- que minha casa não deu conta. Pela porta dos fundos, começou a entrar água. E no banheiro, mesmo com forro, começaram a escorrer alguns filetes de água. Isto já era suficiente para me ocupar com o rodo. Então vi, na parede do meu escritório, a água descendo felizinha, até a caixa de luz. Subi numa cadeira e vi, aterrorizada, por trás do armário de livros, os disjuntores todos molhados, pingando a água que caía. O que eu deveria fazer? Desligar os dijuntores? Enxugá-los? Conter a água que descia? E se desse um curto? Se eu levasse um choque? Com um pano, na ponta dos pés na cadeira, tentei manter a parede seca enquanto observava os objetos sobre o armário. Minhas cestas indígenas, vindas do Maranhão, uma galinha de cerâmica, ganha no Ceará, outras galinhas, do Jequitinhonha, um diploma enquadrado de finalista do Prêmio Caixa de Jornalismo. Me lembrei que a água continuava entrando pela porta dos fundos, exatamente no extremo oposto de onde eu estava. Então fiquei num vaivém: rodo na porta, pano no escritório. No caminho, minha filha no sofá da sala. Cada vez que eu passava, uma solicitação: “mãe, põe desenho”, “mãe, me dá água”, “mãe, me dá um leitinho”... rodo, pano, desenho, rodo, pano leitinho...<br />Desgraça pouca é bobagem: nestas horas de emergência, é incrível como todos os pequenos problemas afloram. Vão aparecendo um a um, perfilando-se como uma tropa à espera da revista. E eu fui revistando-os. Se eu tivesse com mais dinheiro, já tinha feito a varanda e a água não entraria pelos fundos. Se não fosse a crise, eu teria mais frilas e não estaria sem dinheiro. Se eu não fosse a única responsável por minha filha, ela não me solicitaria tanto. Se o pedreiro não tivesse errado na hora de por a caixa dágua, não teria deixado esta falha no telhado. Se eu fosse menos dispersa, já teria inventado um jeito de bloquear a porta. Se eu não estivesse sempre tão sobrecarregada, não seria tão dispersa. Se eu não estivesse sozinha, não precisaria resolver tudo de uma vez. Então, por um segundo, pensei que seria bom estar casada e que solidão é, no fundo, não ter com quem dividir as responsabilidades. Mas foi um segundo só: no seguinte já me lembrei que nenhum dos meus ex maridos tinha habilidade com estas coisas práticas (ai, esta minha queda por pseudo-artistas-intelectualóides) e ter um marido não significava, necessariamente, estar com alguém que saberia resolver. Olhei pro meu diploma de prêmio de jornalista e pensei que melhor seria ter um diploma de eletricista, como minha irmã. Ufa!<br />A verdade é que estas situações expõe o tamanho de nossa vulnerabilidade. Vou tentar explicar com uma metáfora um tanto tosca, pulando do micro (minha vidinha) para o macro (o resto do mundo): o grande choque do atentado de 11 de setembro não foi a queda das torres nem o número de mortes ou a ousadia dos terroristas. Foi a revelação da grande vulnerabilidade dos Estados Unidos. Claro que já se sabia que o tão afamado poder deste país já se tornara uma falácia, mas, a este ponto? Nem CIA nem FBI tiveram como impedir? E o Bush, escondido durante horas? Meu irmão diz que o século XXI começou naquele momento. Pode ser: a ordem mundial não poderia continuar como antes depois disto. Mas, voltando a 'I, Me and Myself', uma chuva exagerada me pôs, em poucos minutos, cara a cara com todas as coisas que andam me incomodando. E eu me senti tão desamparada, tão sozinha, tão... frágil! <br />Mas, ao que me lembre, Deus prometeu que não acabaria com o mundo novamente através da água. E a chuva foi ficando menos agressiva, mais leve, quase gente boa, até transformar-se num barulhinho bom sobre o telhado. Deitei ao lado de minha filha e fiquei agarridinha com ela.<br />Sentindo esta doçura tão perto de mim, fui lembrando seus primeiros meses, seus primeiros dois anos. E todas as imensas dificuldades que passei nesta fase. Não só a adaptação à realidade de ser mãe, mas as circunstâncias de nosso entorno que não eram muito favoráveis. Sem dúvida, o período mais difícil e dolorido da minha vida. E agora estávamos aqui, deitadas juntinhas no sofá, na casa que estamos construindo, no novo caminho que estamos seguindo, na vida que estamos criando juntas. E o inferno ficou para trás, anotado num diário que eu nem leio mais, numa gaveta que não preciso mais abrir. Vivido, vencido e superado.<br />Frágil, eu? Ah, tá.</div>uma mulher de vestidohttp://www.blogger.com/profile/09748676103742340184noreply@blogger.com1