domingo, 28 de fevereiro de 2010

Quando as lulas não vêm

Todos os domingos, depois de comer o pastel da dona Rosa com garapa da barraca vizinha, atravesso a feira inteira, olhando para os dois lados e decidindo o que vou ou não levar para casa. Quando acabam as barracas de legumes e frutas, ainda restam mais algumas de pastel, a de temperos, a de carne e, por último, a dos peixes. Não costumo comprar peixes. Mesmo assim, dominicalmente insisto numa teimosia: vou até a última barraca. Olho os mariscos, espio o camarão, o cação, as vermelhas postas de salmão. Mas meu coração procura outra coisa. As lulas. Aprendi, com as moradoras da Ponta da Juatinga, em Paraty, que é no verão que a pesca da lula é abundante, que elas aparecem maiores e melhores. E o preço abaixa. Eu sei disto e continuo durante o ano inteiro obsessivamente passeando os olhos pela banca de peixe, só para ser surpreendida com o feliz dia em que as lulas estarão melhores, maiores e mais baratas. Para limpá-las, temperá-las, recheá-las com fatias de queijo e pedaços de banana, deitá-las numa caminha de molho de tomates e camarões. Para encerrá-las no forno até ficarem rosadas e macias, desmanchando-se quebradiças. E surprender quem as come com a leveza do sabor inusitado.
Então, hoje, acordei. Fevereiro se encerra, o verão também. Cadê as lulas do verâo? Passei o ano esperando e elas não passaram de umas poucas lulinhas chochas.
Agora, assisti na tv uma reportagem que, em total sincronicidade com minhas dúvidas, me respondeu à pergunta. Este ano, lulas, peixes e ostras debandaram. O El Niño e o aquecimento global deixaram o Oceano que nos banha cerca de 2 graus mais quente. O suficiente para que as ostras – coitadas, não podem ir embora- tivessem dificuldades de crescimento e os outros simplesmente evitassem nossa costa. Achei até um pouco mal educado da parte das lulas ir embora assim, por causa de apenas 2 graus, mas compreendi.
A questão, para mim, agora é outra: foi a primeira vez que o tão falado aquecimento global teve um impacto real na minha vidinha. Mesmo com todas as imprevisibilidades do clima, como este frio de dois edredons na minha cama, com toda a chuva, todas as teorias e campanhas... Tudo isto não era real o suficiente. Mas agora sim, compreendo de forma concreta que o aquecimento global vai atingir a todos nós. Eu senti a ausência das lulas no meu verão.

Um comentário:

  1. Gosto muito de suas crônicas. Possuem poesia, simplicidade, inteligencia...
    Parabéns!!!!!!!!!!!!

    Jefferson Pancieri
    fotógrafo

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