sábado, 7 de novembro de 2009

Uma mulher de vestido curto

Um fala daqui, outro fala dali. Há até quem diga que a história é um pouco maior: a moça, talvez, seria garota de programa. É boato? É fato? Não vejo a menor diferença, estamos num país em que a prostituição não contraria as leis. Há, inclusive, várias associações de apoio às profissionais do sexo (Em São Luís do Maranhão, por exemplo, a presidente da Associação era uma veterana chamada Jesus. Maria de Jesus...). Se ela é uma moça recatadíssima que pela primeira ousou mostrar as coxas ou se este é seu uniforme de trabalho, para mim, não vem ao caso.
Ah, mas ela estaria trabalhando dentro da faculdade. Trabalhando dentro da faculdade? Como assim? Alguém a flagrou fazendo sexo numa sala de aula ou coisa parecida em troca de uma pedra falsa, um sonho de valsa ou um corte de cetim? Quando eu estava na faculdade, as pessoas trabalhavam vendendo bolo de chocolate, bijuterias, livros... Até eu, que sempre fui péssima vendedora, vendi meus sanduíches naturais para poder comprar a tão ambicionada caixa de giz pastel seco. Hum, teve também uma história de um flagra de dois rapazes em “atos libidinosos” na sala 58. Aquela sala lá no fundo do terreno, bem no escuro, cercada por árvores remanescente do cerrado, onde eu tinha aula duas vezes por semana com o professor Plácido. Desenho de observação. Um funcionário flagrou um futuro engenheiro e um futuro arquiteto numa situação um tanto – como vou dizer?- “íntima”. Nem sei se foram expulsos. Na época rolaram tantos boatos sobre quem seriam os personagens que acho que apenas foram convidados, discretamente, a mudar de “colégio” e ninguém soube muito bem o que se passou.
Mas, enfim, alguém flagrou a moça do vestido curto numa situação assim? Se sim, porque não dizem isto claramente? Se o problema é algo além da roupa, porque estão silenciando? Para proteger quem, a moça expulsa? Até poderia ser. Mas, oficialmente, não houve nada disto.
Então, vou escapar do diz-que-me-diz e das lembranças do meu tempo de universitária, ainda despreocupada com os pés-de-galinha, e vou me ater ao básico: a universidade alegou que ela estava com roupa inadequada. Sei, há o argumento de que ninguém vai de terno à praia ou de biquíni na reunião de pais na escolinha. Mas continuo achando que esta história de roupa curta, neste caso, é uma desculpa muito inconsistente para uma expulsão.
Quando eu estava na faculdade (puxa, voltei), um rapaz simplesmente arrancou toda a roupa no pátio lotado enquanto gritava dramático: “chega deste lirismo comedido!” (ai! Acontecia cada coisa na Unesp de Bauru!). Foi expulso? Foi. Mas só porque, depois disto, ele também jogou uma cadeira num painel de vidro. E destruir patrimônio público foi considerado motivo para expulsão. Mas, pela nudez, não. E, cá entre nós, existe roupa mais inadequada para ir à faculdade do que nenhuma? (Ainda mais no caso do Grilo, que não era assim um...ah, deixa pra lá).
Eu não conheço esta moça. Não sei sobre sua vida, não sei sua profissão, sua idade, seu nome... E nem pretendo saber. Tampouco estou escrevendo para defendê-la: não sou advogada. Mas a essência deste pensamento é brutal para mim. Uma mulher é ameaçada fisicamente e ofendida verbalmente porque está vestida com uma roupa “inadequada”. Ela é penalizada por isto. Os agressores não. Então estão legitimando o direito de coerção a uma mulher porque consideram seu comportamento “i-na-de-qua-do”?
Lembro-me daquelas histórias pavorosas de travestis e prostitutas que são agredidos, em alguns casos até a morte...Vá lá, muita gente pode achar que ir à faculdade com roupa de baile funk é incorreto, pode dizer que a moça fez caras e bocas, que assumiu uma atitude provocativa, que colou o número de seu celular no telefone público... Mas, e daí?! Parece-me uma inversão tão descabida colocar o seu comportamento sob julgamento nesta hora. O problema não é o que ela faz, diz ou usa (ou não usa!). O que deve ser observado é a reação dos outros envolvidos. Dos rapazes que ficaram dizendo que ela era uma loira gostosa que deveria ser ‘liberada’, das moças que acharam divertido fotografá-la chorando, dos funcionários que não conseguiram garantir a segurança. Este é o problema real: a turba descontrolada dentro de uma instituição supostamente educativa. ‘Mesmo que’ (lembrem-se, eu não sei nada sobre ela!) a moça em questão fosse uma meretriz abusadíssima fazendo ponto na frente da cantina, jovens se achando no direito de agredir alguém em nome de uma suposta moral sexual é assustador demais. É Talibã! E isto ainda é legitimado?
Nos tempos bíblicos, a adúltera pôde contar com Jesus. Em São Luís do Maranhão, as profissionais do sexo podem contar com a Jesus. Mas, e em São Bernardo do Campo? Para quem uma mulher pede ajuda quando as pedras começam a voar em sua direção?

2 comentários:

  1. belissimas palavras meu anjo pra descrever tão odioso esporte brasileiro ; a desqualificação da denuncia.

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  2. É duro ler e concordar com suas perguntas. A realidade afiada não nos deixa esquecer, o mundo ainda é um lugar estranho e escuro, falta luz em muita cabeça e mais parece que preferimos caçar mamutes do que ler e aprender.

    Triste, muito triste.

    Mas não percamos a esperança pois é dela que vivemos. Há muito o que fazer e, se não plantarmos nada, o que irão colher nossos filhos?

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