domingo, 25 de abril de 2010

Guaraná com formicida

A voz chamando no portão tinha algo de urgente e temeroso ao mesmo tempo. Ela o recebeu ali mesmo, em frente ao jardim, tendo rosas e cravos e dálias, como testemunhas. Não por desprezo, mas por medo que o sentimento que quase a sufocava a fizesse mudar de idéia. O homem sorridente, músico que amanhecia em bares entregue ao violão, estranhamente a esperava aflito. Tinha um ar decidido que quase lhe ocultava o medo. Não disse muito, apenas pediu para voltarem. Trazia na garganta um sem número de razões para isto, trazia todos os argumentos e todas as palavras de amor, tudo calado pela boca, mas dito por seu olhar de tragédia. Mas ela foi firme e negou com a cabeça o que mais desejava. Ninguém sabia, nunca ninguém soube, o desejo reprimido, a correnteza represada no seu gesto de negar. Foram poucos minutos, poucos gestos, poucas palavras. Tudo suspenso, tudo esperando pela explosão de desejos que a custo souberam barrar.
Ele partiu de cabeça baixa. Ela tentou manter a cabeça erguida. Em seu quarto, pensou ainda muitas vezes na angústia de esposa esperando o marido que só chega de manhã, embriagado, os filhos esperando pelo pai que se divertia com mulheres várias, a ausência maior que o aconchego de amante. Por mais que ele fosse aquele que mais amara, acreditava estar sendo sábia e, apoiada nisto, controlou as lágrimas que insistiam em se espalhar por seu rosto. Só se entregou ao choro quando vieram lhe trazer a notícia de que ele se matara. Guaraná com formicida.

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