domingo, 31 de janeiro de 2010

Dia de Eleição, outra estória de amor

Era dia de eleição e eles se encontraram novamente. Como se houvessem combinado, iam votar no mesmo horário, tornando inevitável o encontro. Eram instantes tão curtos e tão intensos. Luiza já passara dos sessenta, seus cabelos prematuramente se embranqueceram e por trás dos óculos suas muitas rugas cobriam o rosto. Mas sua expressão, cada vez que o encontrava, ainda era o mesmo prazer juvenil. Ele apenas lhe acompanhava com os olhos, num misto de desejo e arrependimento, numa contenção de tantos anos frustrados.
Nos tempos dos bailes da roça, quando não passavam de adolescentes, se encontravam pelo salão, trocavam palavras de amor, deixavam seus corpos se tocarem quentes, sentindo o despertar do desejo. Luíza voltava para casa ansiando pelo próximo baile, tentando esconder de sua família suas aflições passionais. Mas alguém denunciou a paixão pelo mulato aos pais, que logo lhe arranjaram um noivo branco como ela. Proibida de conversar com ele, a moça pedia autorização para ir dançar em companhia do irmão mais velho e de Pedro, o novo namorado, gente de confiança da família. Lá pelas tantas, os braços do noivo se viam vazios, enquanto a moça se escondia pelos cantos em beijos e carinhos aflitos com o mulato.
A paixão clandestina seguia cada vez mais intensa e os dois já tinham prontos todos os planos para uma fuga. Até que Luíza adoeceu. Internada às pressas em um hospital da cidade, ficou dias fora, enquanto boatos corriam. O mulato era bonito, tinha muitas admiradoras. Uma delas lhe contou: Luíza tinha tirado um bebê. Estava para morrer pelo malfeito. Orgulhoso, deixou para trás todo o amor que sentia e, quando ela voltou, ele já espalhara que não queria uma mulher assim. E a moça, que se recuperava de uma apendicite, chorou por dias a dor da difamação, da perda, da traição.
Pouco tempo depois se casou com Pedro. Durante quarenta anos, ele foi o melhor marido que uma mulher podia desejar. Tiveram quatro filhos e ele se dedicava à família com um amor incondicional. Bastava ela chegar do trabalho e ele já ia para a cozinha lhe preparar um lanche, dizendo-lhe que descansasse um pouco. Corria de um lado para outro lhe fazendo pequenos cuidados, pequenos carinhos. Foram quarenta anos de uma relação tranquila, baseada no afeto e na confiança. Mas, toda vez que tinha eleição, Luíza e o mulato se encontravam. E seus olhos se queimavam de dor e desejo, como se ainda fossem jovenzinhos num salão de baile, descobrindo nos corpos colados a sabedoria dos amantes eternos.


(obs. esta é a minha versão para a estória que dona Luíza me contou há muitos anos, ainda pensando no amor que não pode viver)

sábado, 30 de janeiro de 2010

Presente: Neruda



Me diga, a rosa está nua
ou tem apenas esse vestido?

Por que as árvores escondem
o esplendor de suas raízes?

Quem escuta os remorsos
do automóvel criminoso?

Há alguma coisa mais triste no mundo
que um trem imóvel na chuva?

( Esta semana, 'ganhei de presente' este poema de Pablo Neruda, do "Livro das Perguntas". ´Brigada!)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Cuidado, frágil !



Na semana passada, numa das maiores chuvas dos últimos dias, choveu tanto aqui em Itapecerica – depois eu soube que algumas casas tinham desabado!- que minha casa não deu conta. Pela porta dos fundos, começou a entrar água. E no banheiro, mesmo com forro, começaram a escorrer alguns filetes de água. Isto já era suficiente para me ocupar com o rodo. Então vi, na parede do meu escritório, a água descendo felizinha, até a caixa de luz. Subi numa cadeira e vi, aterrorizada, por trás do armário de livros, os disjuntores todos molhados, pingando a água que caía. O que eu deveria fazer? Desligar os dijuntores? Enxugá-los? Conter a água que descia? E se desse um curto? Se eu levasse um choque? Com um pano, na ponta dos pés na cadeira, tentei manter a parede seca enquanto observava os objetos sobre o armário. Minhas cestas indígenas, vindas do Maranhão, uma galinha de cerâmica, ganha no Ceará, outras galinhas, do Jequitinhonha, um diploma enquadrado de finalista do Prêmio Caixa de Jornalismo. Me lembrei que a água continuava entrando pela porta dos fundos, exatamente no extremo oposto de onde eu estava. Então fiquei num vaivém: rodo na porta, pano no escritório. No caminho, minha filha no sofá da sala. Cada vez que eu passava, uma solicitação: “mãe, põe desenho”, “mãe, me dá água”, “mãe, me dá um leitinho”... rodo, pano, desenho, rodo, pano leitinho...
Desgraça pouca é bobagem: nestas horas de emergência, é incrível como todos os pequenos problemas afloram. Vão aparecendo um a um, perfilando-se como uma tropa à espera da revista. E eu fui revistando-os. Se eu tivesse com mais dinheiro, já tinha feito a varanda e a água não entraria pelos fundos. Se não fosse a crise, eu teria mais frilas e não estaria sem dinheiro. Se eu não fosse a única responsável por minha filha, ela não me solicitaria tanto. Se o pedreiro não tivesse errado na hora de por a caixa dágua, não teria deixado esta falha no telhado. Se eu fosse menos dispersa, já teria inventado um jeito de bloquear a porta. Se eu não estivesse sempre tão sobrecarregada, não seria tão dispersa. Se eu não estivesse sozinha, não precisaria resolver tudo de uma vez. Então, por um segundo, pensei que seria bom estar casada e que solidão é, no fundo, não ter com quem dividir as responsabilidades. Mas foi um segundo só: no seguinte já me lembrei que nenhum dos meus ex maridos tinha habilidade com estas coisas práticas (ai, esta minha queda por pseudo-artistas-intelectualóides) e ter um marido não significava, necessariamente, estar com alguém que saberia resolver. Olhei pro meu diploma de prêmio de jornalista e pensei que melhor seria ter um diploma de eletricista, como minha irmã. Ufa!
A verdade é que estas situações expõe o tamanho de nossa vulnerabilidade. Vou tentar explicar com uma metáfora um tanto tosca, pulando do micro (minha vidinha) para o macro (o resto do mundo): o grande choque do atentado de 11 de setembro não foi a queda das torres nem o número de mortes ou a ousadia dos terroristas. Foi a revelação da grande vulnerabilidade dos Estados Unidos. Claro que já se sabia que o tão afamado poder deste país já se tornara uma falácia, mas, a este ponto? Nem CIA nem FBI tiveram como impedir? E o Bush, escondido durante horas? Meu irmão diz que o século XXI começou naquele momento. Pode ser: a ordem mundial não poderia continuar como antes depois disto. Mas, voltando a 'I, Me and Myself', uma chuva exagerada me pôs, em poucos minutos, cara a cara com todas as coisas que andam me incomodando. E eu me senti tão desamparada, tão sozinha, tão... frágil!
Mas, ao que me lembre, Deus prometeu que não acabaria com o mundo novamente através da água. E a chuva foi ficando menos agressiva, mais leve, quase gente boa, até transformar-se num barulhinho bom sobre o telhado. Deitei ao lado de minha filha e fiquei agarridinha com ela.
Sentindo esta doçura tão perto de mim, fui lembrando seus primeiros meses, seus primeiros dois anos. E todas as imensas dificuldades que passei nesta fase. Não só a adaptação à realidade de ser mãe, mas as circunstâncias de nosso entorno que não eram muito favoráveis. Sem dúvida, o período mais difícil e dolorido da minha vida. E agora estávamos aqui, deitadas juntinhas no sofá, na casa que estamos construindo, no novo caminho que estamos seguindo, na vida que estamos criando juntas. E o inferno ficou para trás, anotado num diário que eu nem leio mais, numa gaveta que não preciso mais abrir. Vivido, vencido e superado.
Frágil, eu? Ah, tá.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Insulina (uma estória de amor)



Uma das coisas que marcou a minha infância, foi a diabete do meu pai. Ela norteava boa parte do cotidiano familiar, como os horários rígidos para as refeições, o pouco açúcar no café que minha mãe preparava e os lanches obrigatórios durantes as viagens. Esta parte dos lanches se tornou uma das minha preferências gastronômicas –se é que se pode chamar rocambole Pullman de goiaba de gastronomia. Todas as vezes que íamos para o litoral, pela Br-116, parávamos no mesmo ponto da Estrada da Banana, em frente à mesma árvore, e comíamos rocambole com um pouco de café. A intenção era evitar que ele tivesse hipoglicemia, já que tomava doses diárias de insulina. E eu, ainda tão pequena, ansiava pela árvore e pelo recheio vermelho e branco, de goiabada com chantili, uma mistura tão perfeita quanto era para mim unir um lanche à proximidade da praia. Mas ainda mais marcante eram as injeções matinais.
Todas as manhãs, invariavelmente, minha mãe fervia a seringa de vidro numa caixinha de metal, levada diretamente ao queimador do fogão. Me lembro ainda do ruído da água fervente e da imagem das bolhas pululando ao redor da seringa deitada. Era sempre de manhã bem cedo, com a cozinha clareada por uma luz natural ainda difusa, e o rádio ligado em alguma estação de notícias. Eu observava calada minha mãe preparar a seringa, introduzir a agulha no vidrinho de insulina, atravessando o lacre de borracha, puxar o líquido, expelir uma gotinha para garantir que não ficaria nem um pouco de ar e se aproximar delicada de meu pai. Ao mesmo tempo, podia ver quando ele levantava a manga da camiseta, expondo um braço magro e forte, bonito e moreno como ele sempre foi. Então se virava para minha mãe, oferecendo seus músculos com um ar sereno no rosto. Eu mantinha meu olhar fixo até o momento em que minha mãe o tocava com uma mão, com a seringa já pronta na outra. E desviava depressa o olhar, com a aversão eterna que tenho por qualquer tipo de injeção. Poucos segundos depois, via minha mãe esfregando o algodão e meu pai abaixar a manga. Um ritual amoroso que se repetiu por quase 25 anos, interrompido repentinamente pela morte prematura de meu pai, um dia depois de chegarmos de mais uma viagem ao litoral.
Esta lembrança se fixou na minha memória como um incansável ritual de amor. Era o símbolo diário da simbiose afetiva encenada por décadas por meus pais. Um modelo amoroso doentio, onde ela representa a esposa devota e ele o homem bonito que carrega uma vunerabilidade oculta. Até hoje, ela fala dele com um olhar resignado que não esconde paixão. Até hoje, me lembro dele como este homem bonito que, apesar da aparência forte, necessitava de cuidados. Um modelo que, adulta, rejeitei. E, sem notar, repeti.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mulheres de Verdade


Uma Mulher de Vestido entrevista Mônica Canejo, a fotógrafa que realizou ensaio erótico com Barbies:

UMDV As Barbies não têm celulite, não têm pneuzinho, não têm flacidez e estão sempre sorrindo. Elas são o ideal da mulher atual?

MC Elas representam um padrão de beleza buscado por muitas mulheres do mundo. Um padrão que a mídia exaustivamente nos mostra todos os dias. Mas, qual é o preço deste ideal? Para manter este corpo, elas não comem. Pelo menos eu nunca as vi comendo. E o peitos, talvez seja fácil perceber, não são naturais, são sintéticos. Não que eu as esteja criticando. Só estou questionando se todas as mulheres devem ser assim também.

UMDV Acho que esta questão tem sido mais discutida ultimamente na mídia. Como no caso da modelo Filipa Hamilton que se queixou há tempo por sua imagem ter sida manipulada para que ela parecesse mais magra... e ela já era praticamente uma Barbie, né?

MC Pois é... mas eu acho que esta questão vai além. Algumas revistas estão começando a publicar fotos com modelos menos magras ou até com não modelos. O que, para mim, é só uma estratégia de marketing. Porque então vamos passar a ver que as moças mais cheinhas são bonitas. Pronto! Todo mundo vai ter que se enquadrar novamente. E as magérrimas é que vão fazer regime de engorda.
O que eu quero dizer é que não se trata de ser magra ou gorda. Alta ou baixa. Loira ou morena. Trata-se de estarmos sempre lidando com padrões de beleza femininos excessivamente rígidos. As próprias mulheres se cobram, e o resto da sociedade também cobra, para estar no padrão. Eu me lembro que nos anos 70 e 80 era bonito ter peitinho. A partir dos 90, virou moda os peitões. E a mulherada correndo atrás dos cirurgiões plásticos, ora para diminui ora para aumentar.

UMDV E você é contra a plástica?

MC Nem contra nem a favor, acho esta uma questão muito pessoal. Eu não faria, mas tenho uma amiga que colocou uma xícara de silicone em cada lado e está super feliz. O que eu questiono é esta banalização da plástica. Você vê outdoor anunciando cirurgias estéticas em 36 vezes, como se fosse um computador Positivo das Casas Bahia. Mas é um procedimento cirúrgico como qualquer outro, com todos os riscos que isto envolve. E as pessoas se arriscam muito facilmente para se sentirem incluídas.


UMDV Já que você usou a palavra inclusão, gostaria que você falasse um pouco sobre a participação da Teresa neste ensaio...


MC Ah, a Teresa! A Teresa é uma jovem muito bonita que, num acidente doméstico*, perdeu as duas pernas. Isto não a impediu de manifestar sua sensualidade. Ela está em praticamente todas as fotos, porque é justamente a mais expressiva das três. Ela está sempre com um olhar sereno e, ao mesmo tempo, um leve sorriso. Eu diria até que ela é a que tem mais cara de ‘safada’ (rs). Neste caso acho que não estamos só falando de inclusão social, mas sexual também (rs).

UMDV No caso, inclusão a três! Com isto você estava pensando em também questionar os padrões de sexualidade?

MC Como...? Ah, sim... claro. O modo como uma sociedade se manifesta sexualmente é bastante representativo de seus valores. Então eu quis mesmo questionar o pensamento básico da heterossexualidade monogâmica.

UMDV Por isto não há a figura masculina neste ensaio?

MC E por que temos sempre que nos render à figura masculina? Sempre este padrão patriarcal machista? Quando as mulheres terão espaço para se expressarem sem esta dependência do homem?
Bem, também porque não tinha nenhum Ken lá em casa... Sem contar que o Ken sem roupa é muito feio, parece um boneco!


E como foi o trabalho com as modelos?

MC Além da Teresa, estavam também a Clarice e a Summer. Puxa, elas são muito disciplinadas. Algumas fotos demoraram bastante para serem feitas e elas se mantinham absolutamente imóveis. Sem contar que atendiam a tudo o que eu pedia, numa boa, sempre com um sorriso nos lábios, muito concentradas. E com um ótimo entrosamento entre elas. Principalmente entre a Teresa e a Summer, há uma química entre elas... A única dificuldade que tive foi que, em alguns momentos, a imagem ficaria com uma atmosfera mais íntima se elas fechassem os olhos. Mas, tudo bem, a gente também tem que compreender as limitações individuais.

UMDV E elas gostaram do resultado?

MC Muito! Elas acharam que ficou “bastante sensual, sem ser vulgar”.

UMDV Sabe que, agora que você levantou todas estas questões, eu confesso que não tinha pensado em nada disto. Desculpe-me se te subestimei, mas achei mesmo que sua intenção era mais lúdica, compreende? Achei que você estava só brincando quando resolveu fotografar as Barbies da sua filha.

MC Cá entre nós, só estou falando estas coisas para aproveitar que este assunto ta na moda e parecer um pouco mais engajada. Esta história de fotografia como instrumento de transformação social... sabe? Quando eu fiz as fotos, tava só achando muito engraçado. Mas isto você corta, tá? Deixe as pessoas pensarem que eu sou inteligente.

UMDV Agora, mudando um pouco de assunto, você não acha que esta entrevista pode ser um sintoma de algum tipo de distúrbio? Não leve a mal, mas me parece um tanto esquizofrênica, não é?

MC Não, acho que não. Só estou tentando chamar um pouco a atenção. Em todo caso, se você quiser, posso conversar sobre isto com a doutora Cristina.

UMDV Quem é a doutora Cristina?

MC Oras, é a sua psiquiatra! Quero dizer, a minha!



terça-feira, 12 de janeiro de 2010

São Luiz do Paraitinga



foto Eduardo Canejo

Uma pequena tristeza



Ontem, voltando de São Paulo para Itapecerica, passei por alguns trechos alagados. Pequenos lagos formados em meia hora de chuva que já interditavam a Régis Bittencourt. E mais chuva que caía sem parar, como tem sido há praticamente um ano.
Na verdade, tenho vários textos que gostaria de colocar neste blog. Quase todos sobre amenidades, futilidades e besteiridades. Mas tem uma sombra de pequena tristeza que vem me perseguindo nestes dias. Tenho me mantido informada sobre as enchentes dos últimos dias, mas evito ler detalhes das notícias. É um novo hábito que estou adotando: sempre me abalo demais com este tipo de assunto, então evito me aprofundar. Mas desta vez não pude escapar. Meu irmão, que trabalha num órgão ligado ao Condephaat, esteve sexta-feira em São Luiz do Paraitinga com um grupo de técnicos. Pessoa alegre, de ótimo humor, chegou em casa no sábado visivelmente abalado. Impressionado com o tamanho da destruição. Vi seu semblante cansado falar sobre pessoas que perderem tudo, de casas alagadas até o segundo andar, de roupas penduradas nos fios elétricos como se estivessem num macabro varal. Carros e eletrodomésticos tombados sob os destroços de igrejas seculares. E da fuga das pessoas, de suas casas para uma escola, da escola para a igreja, enquanto a água ia subindo, derrubando tudo no seu caminho ascendente. Ele não conheceu a cidade antes e agradeceu por isto. Seria muito dolorido presenciar este cenário que lhe pareceu de guerra depois de ter visto de pé as construções, testemunhas de uma longa história. Por outro lado, no mesmo dia falei por telefone com minha irmã, que morou por dois anos em São Luiz. E que há dias tentava desesperada falar com seus amigos de lá sem conseguir. Ela agradecia não ter visto a bela cidade agora, transformada em escombros.
Eu, no meio destas duas angústias, sei que isto é muito pouco perto da dor de quem morava na cidade e que agora se encontra desabrigado, buscando força para enfrentar a reconstrução de sua vida. No ônibus, vendo os riscos da chuva que caía triste no início da noite, fiquei triste também, com este pequeno peso das tragédias que nos cercam a todos. Há um motivo maior para elas acontecerem? Uma lição? Um aviso? Não vou procurar estas respostas, mas estou convencida de que uma bonita história de superação já começa a ser escrita.


Me sinto um pouco patética em me dizer triste e não fazer nada para ajudar... vou pelo menos divulgar o endereço de um projeto de pessoas que estão, de fato, fazendo alguma coisa: http://projetoenchentes.radioramabrasil.com/sobre/

As fotos são todas do meu irmão, Eduardo Canejo. Ou simplesmente Canejo, como todo mundo chama.







fotos de Eduardo Canejo

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Dia do Fotógrafo: os preferidos

Há os professores. Têm sempre alguma coisa pra dizer. Não que eles achem que sabem mais: eles, de fato, sabem mais. Não sei dizer o que, mas é alguma coisa que escapa à percepção das outras pessoas e que eles pescam rapidamente. O melhor é que compartilham. E vale ponhar reparo no que eles dizem, costumam estar certos.
Além deles, os meus ‘preferidos’ são os mais velhos. Alguns aprenderam a fotografar em câmeras que nem tinham fotômetro. E agora estão aí, debruçados nos computadores, mexendo em programas de tratamento de imagem da mesma forma que aprenderam a medir a luz ‘no olho’. Não só testemunharam como fizeram parte efetivamente das mudanças qeu a fotografia vem passando nas últimas décadas. E nunca se aposentam: estão sempre fazendo alguma coisa nova. É como se os equipamentos ficassem obsoletos, mas eles não. Tem um ditado que diz que cachorro velho não aprende truque novo. Fotógrafos aprendem. Mantêm um perene interesse em aprender. E têm sempre tantas coisas pra contar que sou capaz de conter minha tagarelice e ficar só ouvindo, por horas, encantada com o que eles podem ensinar. Também já perderam o deslumbramento dos mais jovens, mas não perderam a paixão.
Aliás, todo fotógrafo - e agora eu não estou generalizando a esmo, é fato - é um apaixonado. Nunca conheci um que tivesse entrado na profissão só porque era vontade da família ou porque passou num concurso da prefeitura. Do fotodocumentarista que se embrenha por meses na floresta amazônica querendo pegar malária ao fotógrafo de casamento que chama suas clientes bonitinhamente de ‘minhas noivinhas’. Eles amam fotografar, dá para perceber só pelo jeito com que seguram as câmeras. E, quando em ação, têm um brilho nos olhos que até confunde quem está por perto. Alguns são tímidos, inseguros. Outros são espalhafatosos, exibicionistas. Uns são rústicos. Outros sofisticados. Mas nenhum é ‘morno’. É esta intensidade indisfarçável que os torna tão atraentes e, até, populares (ou vocês já viram algum protagonista de cinema que era despachante? Mas, fotógrafos, de “Blow Up” a “Antes da chuva”, tem mais de uma dúzia de filmes). Talvez eu seja suspeita (sim, eu sou absolutamente suspeita) para dizer, mas eles costumam ser apaixonantes. Me lembrei disto quando li no blog do Ayrton (http://ayrton.com/360/) a descrição do dia em que o helicóptero caiu na favela .... ele contando como ficou sabendo, da correria, da emoção. Pronto, me apaixonei pelo Ayrton! E por todos os fotojornalistas de novo. Tá, eu prometi para minhas irmãs e amigas que nunca mais vou namorar um fotógrafo. Estou cumprindo a promessa. Mas, gostar deles eu posso, não é? Eu simplesmente não consigo deixar de admirá-los. No fundo, acho que até os cotoveleiros, quando não estão cotovelando ninguém, devem ser interessantes (hum... talvez eu devesse ter dado uma chance pro cara da escada...). Então, é isto: feliz ‘dia dos fotógrafos’!

Dia do Fotógrafo: Tralhas

Tem também os fotógrafos que negam o flash. Não usam porque acham que a luz que está é a luz que deve ser usada. Alguns têm discursos bacanas. Outros pecam um pouco. Mas eu conheci um, gente boníssima e excelente profissional, numa viagem pelo Jequitinhonha, que dizia que até usou flash por um tempo mas não gostou. Preferia fazer as fotos com a luz que estava presente na cena. Imaginei que ele era um ‘purista’, apegado à luz natural. Então, na hora de sair para ir fotografar umas pessoas, ele pegou suas tralhas. Bolsa com as câmeras e lentes, tripé e... uma gigantesca luminária de luz contínua. Pois é, ele não usava flash, mas viajava carregando um monte de equipamento de estúdio. O engraçado foi na hora de ir embora, quando ele pegou o onibusinho que ia de Chapada do Norte para Diamantina. Foi preciso mobilizar todos os recém amigos – todos fotógrafos- para ajudá-lo com a bagagem. Compridas bolsas, lotadas de tripés e lâmpadas e etecéteras. Mais bagagem para uma semana do que eu levo para um mês.
Por falar em bagagem, é outro item curioso com relação a fotógrafos. Carregam tanta coisa! Conheço um que levava a fralda da filha (de pano e limpa, claro). E outro que não saía de casa sem levar vários livros, várias revistas, mapas e uma infinidade de outras coisas que era óbvio que ele não ia ter tempo de usar. E outro que, numa viagem a trabalho, foi barrado pela segurança do aeroporto na hora de passar pelo raio x. Porque além da câmera e de todas as lentes, filmes, filtros, flashes, caixinhas e caixonas, ele tinha na bagagem de mão duas chaves de fenda e dois estiletes. Mas não eram duas chavinhas de fenda, daquelas de relojoeiro, boas para emergências com o equipamento. Eram duas chaves enormes! E dois estiletes enormes (e por que dois?)! Ainda bem que estava no Brasil, porque em qualquer outro lugar ia ser difícil convencer que não era um terrorista ("Não, não...eu não vou fazer a comissária de refém, 'insh Allá' a minha barba caia se eu fizer algum mal com esta chave de fenda de meio metro. E, pelas virgens do profeta, esta é apenas minha coleção de estiletes, não são adagas!")

Dia do Fotógrafo: O Lobo Mau

Há também o fotógrafo LOBO MAU. Costumam aparecer em eventos discretos, como palestras e shows para poucas pessoas. Chegam mais paramentados do que padre em missa da semana santa. Colete de homem bomba, bolsas grandiosas, a câmera já na mão. E uma lente enorme. Fico pensando: o que é que ele está enquadrando com esta lente, assim tão de perto? Está tentando contar quantos cílios a cantora tem no olho esquerdo? Procurando uma marquinha de catapora?
Me dá vontade de chegar pertinho e perguntar com vozinha de Chapeuzinho Vermelho:
- Mas vovóóó... pra que uma lente tããão grande?

Dia do Fotógrafo: outros estereótipos

OS OBCECADOS. Alguns são pelo equipamento. Mal ouviram falar de um lançamento com um 0,0001 mp a mais e já estão atrás da BH fazendo sua encomenda. Me lembro de um que tinha sempre a Cannon mais nova, com duas dúzias de lentes. E um dia ele mesmo confessou que não sabia para que tudo aquilo, se na época o que ele estava fazendo era o passo a passo pra uma revista de ‘ponto em cruz’.
Outros são obcecados pela própria fotografia. Não falam outra coisa. Conheci um rapaz que estava começando a fotografar. Era namorado de uma amiga do meu namorado. Nos encontrávamos em festas de amigos em comum e passávamos a noite toda ‘conversando’. Na verdade, ninguém tinha paciência com o rapaz: ele até era gente boa, mas só falava de fotografia. Então meu namorado, que era fotógrafo, saía de fininho. A namorada dele também. E restava a mim, pessoa tolerante e generosa, ouvir o moçoilo monologar durante horas sobre todas as suas reflexões, dúvidas e pretensões com relação ao seu único assunto. Alguns anos depois, nos encontramos casualmente numa livraria e ele me contou que estava namorando uma bailarina. Me surpreendi de ouvi-lo pela primeira vez falar de outro assunto. Aí a conversa foi indo até ele contar que, então, agora estava fotogrando balé. Pois é.

OS ANGUSTIADOS: às vezes, a angústia é com a fotografia. Eles olham, olham... E pensam que poderia ter ficado melhor, que não souberam aproveitar bem a ocasião, que o editor não soube escolher, que a impressão ficou ruim... Outros se angustiam com a relação do fotógrafo com o objeto fotografado. O rapaz vai lá numa comunidadezinha distante e volta se sentindo um ladrão de almas, perguntando a si mesmo e ao resto do mundo qual foi a contrapartida social deste trabalho. Acham que podem usar a fotografia para mudar o mundo. Mas, no fundo, não usam. Apenas se angustiam. Outras já extrapolam: estão angustiados é com a vida mesmo. Fazem da fotografia sua forma de expressão porque precisam muito expressar seu próprio “eu”, sabe? Ok! Eles costumam ser pessoas do bem! Mas, cá entre nós, prefiro os mais felizes.

Também não tenho muita paciência com os MENINOS PRODÍGIOS. São criativos, ousados, antenados. Mas geralmente tem uma empáfia! Compreendo bem que alguém que já tem fama de bom profissional antes de completar 30 anos fique um pouco deslumbrado. Mas me lembro que, não sei quando nem onde, o Pedro Martinelli disse que só se considerou fotógrafo depois de 10 anos de profissão. Acredito que tenha mais relação com a postura que se adquire com a experiência do que com o resultado técnico-estético das fotos. O bom é que os jovens talentos, com o tempo, vão percebendo que há mais coisas entre a câmara escura e o fundo infinito do que julga sua vã sabedoria. E vão se tornando pessoas menos arrogantes e, portanto, mais simpáticas e interessantes (talvez por isto os meus preferidos sejam os mais velhos).

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Dia do Fotógrafo: os 'Cotoveleiros'

De todos os fotógrafos que conheci, os piores, para mim, são os 'Cotoveleiros'. Incrível, eles parecem ter mais cotovelos do que olhos! Em qualquer evento, vão empurrando todo mundo com os braços abertos, como galinhas chamando os pintinhos pra debaixo da asa. Quase sempre têm também uma bolsa enorme, que balançam de um lado para outro para afastar os concorrentes. Estão sempre desesperados para conseguir um lugar melhor, para fazer uma foto melhor, para fazer o registro único num local nem um pouco exclusivo. Acho que nunca passou pela cabeça deles a palavra ‘cooperação’. O que os torna mais patéticos é que, na maioria das vezes, fazem esta cena desnecessariamente. E preocupam-se tanto em concorrer com os colegas que não percebem o que realmente está se passando. Uma vez, cobrindo um Agrishow Ribeirão, levei várias cotoveladas de um cara que queria fotografar o presidente Lula. Ia empurrando todo mundo e dizendo que era do "O Globo". Mas a verdade é que o Lula, que ainda não tinha decepcionado muita gente, ficou um bom tempo no palco, fazendo pose para as lentes. Ele é quem tinha chegado atrasado. Só conseguiu fotografar dona Marisa, na saída, conversando com um palhaço (palhaço mesmo, de cara pintada e nariz vermelho) que estava fazendo não sei o que naquela cena.
O pior é que, no ano seguinte, lá estava ele de novo (o fotógrafo, não o palhaço). Com uma mochila gigante e um novo item no equipamento: uma escada. Eu disse: uma es-ca-da! Para quem não sabe, o Agrishow Ribeirão Preto é maior feira de agronegócios da América Latina, um evento realmente grande, mas bem organizado, com horários marcados, discursos programados e acesso absolutamente livre para a imprensa, com dezenas de computadores a disposição e cominhos caprichados, com sucos, refrigerantes, saladas, massas e queijos cremosos com geléia de framboesa (um luxo). Sem contar os shows e os jantares nos melhores restaurantes da cidade, exclusivo para jornalistas (ô saudade!). E eu pergunto: para que o desespero? Para que passar na frente dos outros? Para que a pressa? E o que ele ia fazer com uma escada num local onde não havia necessidade de se ver de cima?Aliás, para ver de cima mesmo, fotógrafos tinham direito a vôos panôramicos de helicóptero. É sério. E se ele não abria mão disto, bastava usar uma mesinha ou pedir uma escada, com certeza não faltaria. Desta vez ele estava fotografando o infame Severino Cavalcanti, que na época era presidente da Câmara. Falou umas bobeiras, abraçou uma criancinha com síndrome de Down e foi solenemente ignorado pela imprensa. Se alguém fez foto dele, foi só pra constar. Quando acabou o discurso, o fotógrafo cotoveleiro parecia mais tranquilo. E me deu umas olhadas, meio em jeito de flerte (até que ele era ajeitado, sabe?). Como sou boa fisionomista, reconheci na hora o cotovelador do ano anterior. E passei direto, fingindo que não tinha notado a existência dele. Porque simplesmente não dá pra levar a sério alguém que vai do Rio de Janeiro a Ribeirão Preto carregando uma escada nas costas.

08 de janeiro: Dia do Fotógrafo

No início de 1996, pela primeira vez fui apresentada a um fotógrafo. Foi uma apresentação que coincidiu com minhas primeiras aulas de fotografia na faculdade. O que eu não sabia é que, daí por diante, não me livraria mais deles. Trabalhando, estudando, viajando, conversando, namorando, tuitando... eu já perdi a conta de quantos conheci: são catorze anos de convivência ininterrupta. Então acho que estou habilitada a falar sobre as minhas impressões sobre eles. Vou começar pelos mais chatos (prometo que depois falo dos legais).

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Berinjelas?!

Hoje eu comprei uma berinjela pequena para fazer com molho de tomate e queijo, ao forno. Mas, já na hora de comprar, me lembrei de uma estória cabeluda. Minha irmã conhece uma pessoa, que tem um amigo que é dono de um motel. Aqui na grande São Paulo, perto de onde eu moro. E este amigo contou para esta pessoa, que contou para minha irmã, que contou para mim, que estou contando agora, que um cliente foi proibido de entrar no motel por causa das berinjelas. Pois é: berinjelas.
Era um cliente contumaz. Volta e meia aparecia por lá, cada vez (detalhe importante!) com uma acompanhante diferente. E, quando ia embora, o quarto estava repleto de berinjelas despedaçadas. Cansadas com a sujeira, as arrumadeiras se queixaram e os proprietários decidiram barrar o moço. Eu nem fiquei sabendo se elas estavam cruas ou cozidas. Grandes ou pequenas. Murchas ou rijas. Tampouco sei algo sobre o fulano ou suas variadas acompanhantes. Só sei que eram berinjelas.
A pergunta que me atormenta desde que eu soube desta estória é: o que este cara fazia com as berinjelas? Sei lá, se fossem pepinos, melancias, cenouras... mas, berinjelas? Estou lá no mercado comprando um singelo ingrediente para o almoço de amanhã e nem consigo escolher direito. Pego a primeira para não ficar pensando muito. Elas simplesmente perderam a inocência para mim. Não que eu tenha começado a sentir algum tipo de atração por berinjelas, além das já conhecidas gastronônicas. Apenas não sei conviver com um enigma tão grande.
Este tipo de dúvida me incomoda mais do que saber se há vida depois da morte. E, o pior, provavelmente eu nunca saiba...
Agora, se por acaso você for mais criativo do que eu e tiver alguma idéia do que se fazer num motel com berinjelas, me avise. Só por curiosidade.