Em 2002, quando o americano James B. Petersen encontrou uma ponta de flecha no município amazonense de Iranduba, soube que ela despertava novas e velhas dúvidas. Petersen, no entanto, nem teve tempo de ouvir a todas. Ele podia ter optado por ser neurocirurgião ou professor de literatura. Mas veio para a Amazônia brasileira investigar nosso passado distante. Com essa escolha, definiu não só sua vida, mas também sua morte. Em 2005, sentado à mesa de um restaurante na estrada que liga Manacapuru a Manaus, foi surpreendido num rápido assalto. E morreu ali, com a maioria das questões ainda na fila de espera e algumas respostas que não teve tempo de expressar.
Quando vejo de perto a herança que ele deixou, a ponta de flecha, emociono-me mais do que podia esperar. Datada em 8500 anos, ela é o item confeccionado por mãos humanas mais antigo que já foi encontrado na Amazônia. Cabendo na palma da mão, sua forma é simétrica, e suas bordas, afiadas. É feita de sílex, uma rocha translúcida, com pequenas manchas escuras no interior. De perto, percebe-se que foi lascada muitas vezes, em cortes leves, por mãos habilidosas. Parece tão intacta que faz crer que nem chegou a ser usada. Uma pessoa com melhor capacidade de análise, como o próprio Petersen, poderia ficar horas observando os detalhes de seu feitio. Ora, o que estou dizendo! Arqueólogos já estão há anos tirando respostas desse objeto que eu olho sem compreender bem. Penso que talvez tenha sido confeccionado para a caça. Ou para rituais. Para eles, ela pode ser uma chave que indica soluções a respeito da antiguidade da presença do homem, rastros de migrações, intercâmbios culturais. Para mim, ela é portadora de uma mensagem misteriosa, guardada durante milhares de anos. Uma a uma, as questões racionais vão saindo de mansinho, deixando espaço livre para a subjetividade. Ao alcance de meus dedos, está uma peça carregada de traços humanos, que fez parte da vida de uma pessoa real, de uma história perdida nas pastas arquivadas do tempo, esse senhor que governa a tudo e a todos. Sempre as águas vão e vêm? Em meus olhos, é tempo de maré cheia.
Mui bom seu texto monica !Adorei te encontrar hoje na Camis!
ResponderExcluirBjos, Ma.
Texto tocante, poético mesmo, além de informativo. Gostei muito!
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