Em 2007 fui com o fotógrafo Maurício de Paiva a um evento em homenagem ao Centenário da Imigração Japonesa. Haveria uma apresentação de um balé, vindo de uma colônia japonesa no interior de São Paulo, e uma exposição de fotos sobre a mesma colônia.
Como nós estávamos desenvolvendo um projeto sobre o Centenário, achamos de bom tom nos apresentar para a fotógrafa. Maurício chegou gentil - às vezes ele é adoravelmente cavalheiro - entregou cartão, presenteou-a com uma revista, com um belo ensaio seu, explicou quem era, contou do nosso projeto, falou de seu interesse em conhecer a tal colônia. Para seu espanto, a moça, arredia, muito grosseiramente disse que estava cansada de ver suas pautas roubadas (!?).
Já no final da noite- depois do balé, batatinhas no palito e vinho branco- quando estávamos de partida, ele encontrou, numa solidão desamparada, a revista que trouxera para a moça sobre um banco vazio. Era um exemplar da Caminhos da Terra, com fotos suas sobre a pré-história da Amazônia. Lá, abandonada, esquecida, nem olhada. Chegamos perto da fotógrafa, que conversava com algumas pessoas. Vinhobrancamente motivado, ele a olhou bem sério e mostrou a revista. Disse que ela a tinha jogado fora. Surpreendida, ela tentou se desculpar, mas, antes que conseguisse, ele disse em alto e bom som, uma única palavra que soou como uma educada e merecida (com o perdão da Maria da Penha) bofetada: “amadora”.
A fotógrafa, na verdade, era aeromoça. A história eu não sei muito bem, mas é mais ou menos assim: nas folgas das viagens a lugares distantes, começou a fazer algumas fotos. Conseguiu até publicar algumas numa revista. Nas férias, visitava a colônia japonesa e, depois de quatro anos, tinha juntado material para uma exposição. Se as fotos eram ‘boas’, não importa. Ela, de fato, continuava sendo amadora. Porque não tinha postura profissional.
Um médico que compra um sofisticado equipamento e veste seu colete de homem bomba nos dias sem plantão, não é um fotógrafo profissional. O micro empresário que passa as férias num workshop na Chapada Diamantina, não é fotógrafo profissional. O estudante de publicidade que monta sua galeria do flickr com excelentes cliques, não é fotógrafo profissional.
Por mais que se fale em um ambiente competitivo, um profissional de verdade não hostiliza um colega que se apresenta amigavelmente acusando-o de ladrão. Não desvaloriza o trabalho alheio. Não se declara dono exclusivo de pautas. Profissionalismo se faz com comprometimento, ética e respeito.
Isto vale para manicures, fonoaudiólogos, carpinteiros, comissários de vôo. E para fotógrafos, mesmo que se seja uma profissão em que se permite a bizarrice de associar o nome da profissão ao predicado do amadorismo.
(P.S. o projeto que fizemos sobre o Centenário da Imigração Japonesa foi publicado em várias revista, como National Geographic, Planeta, Caminhos da Terra, Aventuras na História... E em julho de 2009 nos rendeu o primeiro lugar no prêmio Masey Ferguson de Jornalismo por um especial publicado na Globo Rural. Nunca mais soube da aeromoça. Imagino que ainda esteja sorrindo em três idiomas,enquanto serve “suco, refrigerante ou água”).
Ainda não tinha encarado a díade 'profissional-amador' por esse ângulo. Na música, você sabe, é meio diferente. O termo 'profissional' é usado mais displicentemente, significa apenas que o cara trabalha com isso. E acho que é rara a situação em que o termo 'amador' pode ser tomado como ofensa. Legal o post, fez pensar no assunto.
ResponderExcluirpqp! muito bom!
ResponderExcluir"o sorrindo em três linguas" foi demais!
adorei o relato!
e parabéns pelas publicações e prêmio!
bjão!
seu blog é muito bom, mas cuidado para não ofender aeromoças que não tem nada a ver com a história
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