Na semana passada, numa das maiores chuvas dos últimos dias, choveu tanto aqui em Itapecerica – depois eu soube que algumas casas tinham desabado!- que minha casa não deu conta. Pela porta dos fundos, começou a entrar água. E no banheiro, mesmo com forro, começaram a escorrer alguns filetes de água. Isto já era suficiente para me ocupar com o rodo. Então vi, na parede do meu escritório, a água descendo felizinha, até a caixa de luz. Subi numa cadeira e vi, aterrorizada, por trás do armário de livros, os disjuntores todos molhados, pingando a água que caía. O que eu deveria fazer? Desligar os dijuntores? Enxugá-los? Conter a água que descia? E se desse um curto? Se eu levasse um choque? Com um pano, na ponta dos pés na cadeira, tentei manter a parede seca enquanto observava os objetos sobre o armário. Minhas cestas indígenas, vindas do Maranhão, uma galinha de cerâmica, ganha no Ceará, outras galinhas, do Jequitinhonha, um diploma enquadrado de finalista do Prêmio Caixa de Jornalismo. Me lembrei que a água continuava entrando pela porta dos fundos, exatamente no extremo oposto de onde eu estava. Então fiquei num vaivém: rodo na porta, pano no escritório. No caminho, minha filha no sofá da sala. Cada vez que eu passava, uma solicitação: “mãe, põe desenho”, “mãe, me dá água”, “mãe, me dá um leitinho”... rodo, pano, desenho, rodo, pano leitinho...
Desgraça pouca é bobagem: nestas horas de emergência, é incrível como todos os pequenos problemas afloram. Vão aparecendo um a um, perfilando-se como uma tropa à espera da revista. E eu fui revistando-os. Se eu tivesse com mais dinheiro, já tinha feito a varanda e a água não entraria pelos fundos. Se não fosse a crise, eu teria mais frilas e não estaria sem dinheiro. Se eu não fosse a única responsável por minha filha, ela não me solicitaria tanto. Se o pedreiro não tivesse errado na hora de por a caixa dágua, não teria deixado esta falha no telhado. Se eu fosse menos dispersa, já teria inventado um jeito de bloquear a porta. Se eu não estivesse sempre tão sobrecarregada, não seria tão dispersa. Se eu não estivesse sozinha, não precisaria resolver tudo de uma vez. Então, por um segundo, pensei que seria bom estar casada e que solidão é, no fundo, não ter com quem dividir as responsabilidades. Mas foi um segundo só: no seguinte já me lembrei que nenhum dos meus ex maridos tinha habilidade com estas coisas práticas (ai, esta minha queda por pseudo-artistas-intelectualóides) e ter um marido não significava, necessariamente, estar com alguém que saberia resolver. Olhei pro meu diploma de prêmio de jornalista e pensei que melhor seria ter um diploma de eletricista, como minha irmã. Ufa!
A verdade é que estas situações expõe o tamanho de nossa vulnerabilidade. Vou tentar explicar com uma metáfora um tanto tosca, pulando do micro (minha vidinha) para o macro (o resto do mundo): o grande choque do atentado de 11 de setembro não foi a queda das torres nem o número de mortes ou a ousadia dos terroristas. Foi a revelação da grande vulnerabilidade dos Estados Unidos. Claro que já se sabia que o tão afamado poder deste país já se tornara uma falácia, mas, a este ponto? Nem CIA nem FBI tiveram como impedir? E o Bush, escondido durante horas? Meu irmão diz que o século XXI começou naquele momento. Pode ser: a ordem mundial não poderia continuar como antes depois disto. Mas, voltando a 'I, Me and Myself', uma chuva exagerada me pôs, em poucos minutos, cara a cara com todas as coisas que andam me incomodando. E eu me senti tão desamparada, tão sozinha, tão... frágil!
Mas, ao que me lembre, Deus prometeu que não acabaria com o mundo novamente através da água. E a chuva foi ficando menos agressiva, mais leve, quase gente boa, até transformar-se num barulhinho bom sobre o telhado. Deitei ao lado de minha filha e fiquei agarridinha com ela.
Sentindo esta doçura tão perto de mim, fui lembrando seus primeiros meses, seus primeiros dois anos. E todas as imensas dificuldades que passei nesta fase. Não só a adaptação à realidade de ser mãe, mas as circunstâncias de nosso entorno que não eram muito favoráveis. Sem dúvida, o período mais difícil e dolorido da minha vida. E agora estávamos aqui, deitadas juntinhas no sofá, na casa que estamos construindo, no novo caminho que estamos seguindo, na vida que estamos criando juntas. E o inferno ficou para trás, anotado num diário que eu nem leio mais, numa gaveta que não preciso mais abrir. Vivido, vencido e superado.
Frágil, eu? Ah, tá.
Desgraça pouca é bobagem: nestas horas de emergência, é incrível como todos os pequenos problemas afloram. Vão aparecendo um a um, perfilando-se como uma tropa à espera da revista. E eu fui revistando-os. Se eu tivesse com mais dinheiro, já tinha feito a varanda e a água não entraria pelos fundos. Se não fosse a crise, eu teria mais frilas e não estaria sem dinheiro. Se eu não fosse a única responsável por minha filha, ela não me solicitaria tanto. Se o pedreiro não tivesse errado na hora de por a caixa dágua, não teria deixado esta falha no telhado. Se eu fosse menos dispersa, já teria inventado um jeito de bloquear a porta. Se eu não estivesse sempre tão sobrecarregada, não seria tão dispersa. Se eu não estivesse sozinha, não precisaria resolver tudo de uma vez. Então, por um segundo, pensei que seria bom estar casada e que solidão é, no fundo, não ter com quem dividir as responsabilidades. Mas foi um segundo só: no seguinte já me lembrei que nenhum dos meus ex maridos tinha habilidade com estas coisas práticas (ai, esta minha queda por pseudo-artistas-intelectualóides) e ter um marido não significava, necessariamente, estar com alguém que saberia resolver. Olhei pro meu diploma de prêmio de jornalista e pensei que melhor seria ter um diploma de eletricista, como minha irmã. Ufa!
A verdade é que estas situações expõe o tamanho de nossa vulnerabilidade. Vou tentar explicar com uma metáfora um tanto tosca, pulando do micro (minha vidinha) para o macro (o resto do mundo): o grande choque do atentado de 11 de setembro não foi a queda das torres nem o número de mortes ou a ousadia dos terroristas. Foi a revelação da grande vulnerabilidade dos Estados Unidos. Claro que já se sabia que o tão afamado poder deste país já se tornara uma falácia, mas, a este ponto? Nem CIA nem FBI tiveram como impedir? E o Bush, escondido durante horas? Meu irmão diz que o século XXI começou naquele momento. Pode ser: a ordem mundial não poderia continuar como antes depois disto. Mas, voltando a 'I, Me and Myself', uma chuva exagerada me pôs, em poucos minutos, cara a cara com todas as coisas que andam me incomodando. E eu me senti tão desamparada, tão sozinha, tão... frágil!
Mas, ao que me lembre, Deus prometeu que não acabaria com o mundo novamente através da água. E a chuva foi ficando menos agressiva, mais leve, quase gente boa, até transformar-se num barulhinho bom sobre o telhado. Deitei ao lado de minha filha e fiquei agarridinha com ela.
Sentindo esta doçura tão perto de mim, fui lembrando seus primeiros meses, seus primeiros dois anos. E todas as imensas dificuldades que passei nesta fase. Não só a adaptação à realidade de ser mãe, mas as circunstâncias de nosso entorno que não eram muito favoráveis. Sem dúvida, o período mais difícil e dolorido da minha vida. E agora estávamos aqui, deitadas juntinhas no sofá, na casa que estamos construindo, no novo caminho que estamos seguindo, na vida que estamos criando juntas. E o inferno ficou para trás, anotado num diário que eu nem leio mais, numa gaveta que não preciso mais abrir. Vivido, vencido e superado.
Frágil, eu? Ah, tá.
Entre ser eletrocutada, cair com o rodo na mão, ou coisa parecida você fez a melhor escolha, brincou com a própria situação. Fez de sua fragilidade a sua verdadeira força. E nos braços de Helena você garantiu seus sonhos, com trilha sonora de barulhinho bom... : )
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