domingo, 31 de janeiro de 2010

Dia de Eleição, outra estória de amor

Era dia de eleição e eles se encontraram novamente. Como se houvessem combinado, iam votar no mesmo horário, tornando inevitável o encontro. Eram instantes tão curtos e tão intensos. Luiza já passara dos sessenta, seus cabelos prematuramente se embranqueceram e por trás dos óculos suas muitas rugas cobriam o rosto. Mas sua expressão, cada vez que o encontrava, ainda era o mesmo prazer juvenil. Ele apenas lhe acompanhava com os olhos, num misto de desejo e arrependimento, numa contenção de tantos anos frustrados.
Nos tempos dos bailes da roça, quando não passavam de adolescentes, se encontravam pelo salão, trocavam palavras de amor, deixavam seus corpos se tocarem quentes, sentindo o despertar do desejo. Luíza voltava para casa ansiando pelo próximo baile, tentando esconder de sua família suas aflições passionais. Mas alguém denunciou a paixão pelo mulato aos pais, que logo lhe arranjaram um noivo branco como ela. Proibida de conversar com ele, a moça pedia autorização para ir dançar em companhia do irmão mais velho e de Pedro, o novo namorado, gente de confiança da família. Lá pelas tantas, os braços do noivo se viam vazios, enquanto a moça se escondia pelos cantos em beijos e carinhos aflitos com o mulato.
A paixão clandestina seguia cada vez mais intensa e os dois já tinham prontos todos os planos para uma fuga. Até que Luíza adoeceu. Internada às pressas em um hospital da cidade, ficou dias fora, enquanto boatos corriam. O mulato era bonito, tinha muitas admiradoras. Uma delas lhe contou: Luíza tinha tirado um bebê. Estava para morrer pelo malfeito. Orgulhoso, deixou para trás todo o amor que sentia e, quando ela voltou, ele já espalhara que não queria uma mulher assim. E a moça, que se recuperava de uma apendicite, chorou por dias a dor da difamação, da perda, da traição.
Pouco tempo depois se casou com Pedro. Durante quarenta anos, ele foi o melhor marido que uma mulher podia desejar. Tiveram quatro filhos e ele se dedicava à família com um amor incondicional. Bastava ela chegar do trabalho e ele já ia para a cozinha lhe preparar um lanche, dizendo-lhe que descansasse um pouco. Corria de um lado para outro lhe fazendo pequenos cuidados, pequenos carinhos. Foram quarenta anos de uma relação tranquila, baseada no afeto e na confiança. Mas, toda vez que tinha eleição, Luíza e o mulato se encontravam. E seus olhos se queimavam de dor e desejo, como se ainda fossem jovenzinhos num salão de baile, descobrindo nos corpos colados a sabedoria dos amantes eternos.


(obs. esta é a minha versão para a estória que dona Luíza me contou há muitos anos, ainda pensando no amor que não pode viver)

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